(Prof. Manuel José Tavares Soares, Presidente da ARM) – O padre Ricardo Marques, da Sociedade Missionária da Boa Nova, trabalhou oito anos em Moçambique, em Pemba, como Pároco de Maria Auxiliadora, na província nortenha de Cabo Delgado. Este Missionário da Boa Nova assumiu recentemente a Paróquia de São Martinho de Cucujães, sendo já pároco de Santiago de Riba-Ul e de Madaíl, na Vigararia de Oliveira de Azeméis/S. João da Madeira, Diocese do Porto. Juntamente com dois vigários paroquiais, os padres Amaro Ferreira e Rui Ferreira, também Missionários da Boa Nova, irá formar uma Equipa Sacerdotal para dinamizar pastoralmente estas três paróquias. Quisemos conhecer quais os seus objetivos neste trabalho pastoral e também conhecer um pouco melhor o seu percurso missionário.

Boa Nova (BN) – Como surgiu esta ligação à Sociedade Missionária da Boa Nova?
Padre Ricardo Marques (RM) – Entrei para a Sociedade Missionária da Boa Nova em 2005.
Tinha 28 anos de idade e um certo percurso feito fora do seminário. Sou natural de Torres Novas e vivi muitos anos no Entroncamento. Por ali fui estudando e fazendo o meu caminho na Igreja. Depois, como qualquer jovem, fui para o Ensino Superior, estudei e licenciei-me em Informática. Fui professor e formador durante vários anos. Em 2005, acabei por entrar no Seminário de Valadares onde efetuei a minha formação teológica. Em 2009, comecei por fazer uma experiência de um ano em Moçambique, uma espécie de estágio que faz parte da nossa formação. Estive no norte de Moçambique, em Nampula. Depois de regressar, completei os estudos teológicos, ordenei-me padre em 2014 e, em 2015, parti para Moçambique, província de Cabo Delgado, uma região complicada em termos de guerra, mas terra de gente boa e simples que, apesar de tudo, vive de forma bastante alegre, embora com as condições que todos nós podemos imaginar, com muita pobreza e miséria. Estive na Paróquia de Maria Auxiliadora durante oito anos e, em 2023, desci para Maputo, onde estive também um ano no nosso Seminário Maior. Em 2024, regressei a Portugal, onde assumi as paróquias de Santiago de Riba-Ul e de Madaíl, acabando agora também por assumir a paróquia de Cucujães, um contexto diferente de trabalho pastoral.

BN – Qual é a grande diferença que podemos encontrar entre o trabalho missionário em Moçambique e aqui em Portugal, no contexto europeu?
RM – Sim, há diferenças, naturalmente, porque, no contexto de Moçambique, estamos a falar de uma situação de primeiro anúncio, falar de Cristo a quem ainda não o conhece. O contexto de Portugal é um contexto diferente, também com os seus novos desafios num âmbito político, social, cultural e económico bastante complexo.
BN – E qual é o papel da Igreja em termos sociais no contexto africano?
RM -O papel social da Igreja é fortíssimo porque as carências são imensas. Claro, para o objetivo da Igreja, o primeiro é sempre a evangelização. É o anúncio de Cristo. Este contexto exige que nós olhemos para o próximo naquilo que são as suas necessidades e, às vezes, as mais elementares. São pessoas que vivem com um rendimento abaixo de dois dólares por dia e, às vezes, nem isso. Vivi a passagem de um ciclone [Kenneth], onde a Igreja teve de salvar a vida das pessoas que vivem em condições muito débeis. As casas são muito frágeis. A guerra voltou a reacender-se em Cabo Delgado e continua. Na altura em que lá estive, falava-se de cerca de um milhão de deslocados que fugiam a uma morte certa. O Estado não consegue proteger essas pessoas. Tivemos que intervir nos diversos campos, desde a saúde até à habitação. Em Portugal, o objetivo é ajudar as pessoas a reencontrarem-se consigo mesmas e, sobretudo, com Jesus.

BN – É o grande desafio de hoje. Mas são três paróquias. O trabalho não deve faltar neste contexto pastoral.
RM – Sim, é um desafio mas que é possível, sobretudo exigindo partir de uma realidade a que não estamos muito habituados mas que pode ser inspiradora. Devemos entender a Igreja como uma família, uma rede e não como uma paróquia isolada. Não é fácil construir este conceito de um dia para o outro. O desafio passa muito justamente por dar corpo àquilo que o Concílio Vaticano II já há muito tempo definiu, que é justamente o papel fundamental do leigo. Aliás, o Santo Padre tem insistido muito nessa singularidade.
BN – Em relação à ligação dos jovens à Igreja, qual é a sua perceção nestas três paróquias, fazendo até uma comparação com o seu trabalho como missionário em África.
RM – A população africana é jovem. Basta dizer que, na Infância Missionária, havia mais de 500 crianças. Em Portugal, a realidade é diferente. A população tem mais experiência de vida. Mas temos jovens nestas três paróquias que estão empenhados. Em Cucujães, por exemplo, temos quatro grupos de jovens e vamos crismar mais de trinta. Os jovens devem ter espaço para se exprimir e viver. O desafio é utilizar a linguagem pedagógica certa.
BN – Quais são os seus objetivos a curto prazo, neste trabalho pastoral?
RM – O meu objetivo é a evangelização, a começar pelos jovens que são o presente da Igreja e que têm que ter uma voz ativa na sua estrutura, devendo ser escutados. O outro desafio que é fundamental é a Catequese que é um pilar estruturante de cada comunidade cristã e que precisa de uma reflexão forte e profunda. Não podemos utilizar os mesmos esquemas de há 40 anos. A doutrina cristã permanece igual, mas a linguagem tem que ser adequada à realidade de hoje. Trezentos catequistas da região participaram recentemente, em Travanca, em contexto vicarial, numa reunião com o Padre Sérgio Leal que abordou várias questões no âmbito da sinodalidade do saber. A catequese deve ter um cunho mais familiar porque a família mudou. Hoje, temos os divorciados, os recasados, as pessoas que vivem em união de facto, etc. A Igreja e o anúncio do Evangelho são também para esses.

BN – Outra questão que eu queria colocar tem a ver com a sinodalidade, o conceito que é atual, hoje, na Igreja. O Papa Francisco recentemente, convocou mais uma assembleia. Qual é a sua opinião sobre este conceito e o que é que a Igreja pode ganhar nesta relação com as comunidades?
RM – O caminho é por aqui. A própria expressão sinodalidade significa fazer caminho conjunto. A Igreja não é apenas uma instituição abstrata. A Igreja somos todos nós, não é só de alguns. Portanto, é um caminho que temos de fazer. E o Papa tem lançado pistas para fazer esse caminho. Agora, o mais difícil é justamente aplicar no terreno aquilo que a Igreja nos pede. Mas é um exercício necessário e é por aí. Na prática, é mais difícil do que na teoria.
BN – Para terminarmos, sei também que, em Santiago de Riba-Ul, haverá uma sessão especial tendo em conta o conceito de missão para os mais novos. Como é que vai decorrer esse encontro?
RM – É um desafio que queremos lançar. Estamos precisamente a tocar no pilar da catequese. Temos catequese para os diversos grupos, mas, nestas paróquias e a nível da Vigararia de Oliveira de Azeméis/S. João da Madeira, ainda estamos um bocadinho pobres a nível da Infância e Adolescência Missionária enquanto movimento. Aliás, a própria catequese enriquece-se ao compreender este dinamismo missionário. Porque esta dimensão missionária da Igreja não é uma questão. É a essência da Igreja. E este movimento que é a Infância e a Adolescência Missionária é um movimento da Igreja. Então, a ideia é começar pelos catequistas. O princípio é a evangelização feita por crianças.


