Eva Dias – No itinerário celebrativo rumo ao Centenário da Sociedade Missionária da Boa Nova (2030), no meado do ano dedicado à reflexão sobre a Terra (2024), colocamos a atenção sobre uma das palavras-chave que o ocupa: a mansidão.

O mês (junho) em que a Igreja celebrou a solenidade do Sagrado Coração de Jesus é ensejo para olhar uma das características intrínsecas do Filho de Deus, por Ele assumida como identitária: «tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29). Acompanhamos a reflexão do painel de azulejo figurativo com a representação iconográfica do Sagrado Coração de Jesus, figurado segundo a gravura da obra do pintor italiano Pompeo Batoni (1708-1787) para a igreja de Gesù, em Roma. Nele contemplamos, em tons de azul cobalto, o retrato delicodoce de Jesus, delimitado por moldura enobrecida de elementos vegetalistas e motivos de gramática rocaille, de representação tardia, rematada no fundo pela legenda. No centro, Jesus sustenta o coração na mão esquerda, que apresenta com a destra: um coração trespassado, cintado por coroa de espinhos, encimado por cruz entre labareda, espargindo raios de luz. Um coração ardoroso onde reside, além de outros sentimentos e virtudes, a humildade e mansidão.
Mansidão, predicado exaltado no Novo Testamento (2 Cor 10, 1; Gal 5, 23; Tit 3, 2; 1 Ped 3, 16) que, antes mesmo de Cristo apresentá-lo como virtude pessoal, elencou-o como bem-aventurança: «bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra» (Mt 5, 5). Jesus apresenta primeiramente a bem-aventurança, para depois assumir-se Ele próprio manso, mostrando quão é elevada a fasquia do seu exemplo de vida e de virtude e, simultaneamente, apontá-la como objetivo exequível. Nada de extraordinário que o ser humano não possa atingir, porque Ele mesmo comungou da nossa humanidade, ainda que tal implique um compromisso pessoal na sua prática e um elevar-se às alturas, de modo particular o coração.
A propósito da Sua humanidade, referiu o Papa Francisco na carta encíclica Laudato Si’: «[Jesus] não Se apresentava como um asceta separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida. […] Jesus trabalhava com as mãos, entrando diariamente em contacto com a matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de artesão. É digno de nota que a maior parte da sua existência terrena tenha sido consagrada a esta tarefa, levando uma vida simples que não despertava maravilha alguma […]. Assim santificou o trabalho, atribuindo-lhe um valor peculiar para o nosso amadurecimento» (n.º 98). Ainda que parte integrante da Santíssima Trindade, Jesus «inseriu-se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até à cruz» (n.º 99), viveu uma relação «concreta e amorosa com o mundo» (n.º 100). Deste modo, Jesus potenciou a sua divindade na experiência da sua humanidade, levada ao limite, e desafia-nos a elevarmo-nos da nossa humanidade para atingirmos a divindade.
Um desafio contínuo, em vista à recompensa por Ele indicada: possuir a terra (Mt 5, 5). Como prenunciado no Antigo Testamento, «[…] os simples possuirão a terra, e gozarão de todos os seus bens» (Sl 37, 11). Uma vez mais, Cristo apela a elevarmo-nos: não se trata do simples domínio territorial, mas de possuir «o mais sublime de todos os territórios» (Francisco, Catequese, 19.02.2020). É a Jerusalém celeste que Jesus coloca à disposição dos mansos, dos simples. Mas esta “terra” pode ainda estar mais próxima, como indica o Santo Padre: «não há terra mais bela do que o coração dos outros. Não há território mais belo a conquistar do que a paz restabelecida com um irmão. Esta é a terra a ser herdada com a mansidão!» (idem).


