[A ARTE DIZ] – «Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19)

Eva Dias – Retomando o tema para o ano que agora termina – Ano da Terra –, do itinerário para o Centenário (2023-2030), tomamos a solenidade da Santíssima Trindade para refletir como este dogma de fé se espelha no conjunto do universo.

Santíssima Trindade, séc. XVIII (1ª metade). Autor desconhecido (oficina lisboeta). Óleo sobre tela. Foto: ©Paróquia de S. Nicolau de Santarém. D.R.

Acompanhamo-la da pintura barroca da paróquia de S. Nicolau de Santarém, com a representação iconográfica do tema, figurado segundo a gravura da obra de Guido Reni (1575-1642) para a Igreja da Santíssima Trindade dei Pellegrini, em Roma. Nela surge Cristo crucificado, depois de expirar, ladeado por dois anjos ajoelhados, em atitude orante. Dois putti seguram a trave da cruz, marcando a ligação entre o plano terrestre e o plano celeste, descerrado na parte superior da composição. O céu aberto em glória revela a figura de Deus Pai, representado num ancião de veste branca, envolvido em manto coral, sentado sobre as nuvens. Com a cabeça enquadrada por triângulo, símbolo da perfeição e da unidade, mostra o rosto barbado de olhar fito no observador. De braços abertos, Deus Pai reproduz postura idêntica à do Filho, assim como o Espírito Santo, uma pomba branca de asas estendidas, colocada adiante do peito do Pai.

Proclamam os cristãos sobre o mistério da Santíssima Trindade: «Deus eterno e omnipotente […] com o vosso Filho unigénito e o Espírito Santo, sois um só Deus, um só Senhor, não na singularidade de uma só pessoa, mas na trindade de uma só natureza» (Prefácio, liturgia eucarística da Santíssima Trindade). Como expõe o papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’, «o mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino, mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal» (n.º 238). «Para os cristãos, acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária» (Laudato Si’, n.º 239).

Se as três pessoas da Santíssima Trindade expressam-se em «relações subsistentes» e «o mundo, criado segundo o modelo divino, é uma trama de relações», «isto convida-nos não só a admirar os múltiplos vínculos existentes entre as criaturas, mas leva-nos também a descobrir uma chave da nossa própria realização. Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesma para viver em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas» (Laudato Si’, n.º 240). As múltiplas relações existentes no conjunto do universo revelam ainda que a bondade de Deus Trindade não pode ser representada por uma única criatura. Como explica o Catecismo da Igreja Católica, «a interdependência das criaturas é querida por Deus. […] o espetáculo das suas incontáveis diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço umas das outras» (n.º 340). E reforça o Santo Padre: «cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua. Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus […].» (Laudato Si’, n.º 84). «Tudo está interligado, e isto convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade» (Laudato Si’, n.º 240). 

Deste modo, «quando, admirados, contemplamos o universo na sua grandeza e beleza, devemos louvar a inteira Trindade» (João Paulo II, Catequese, 02.08.2000), «o Pai, […] fonte última de tudo, fundamento amoroso e comunicativo de tudo o que existe. O Filho, que O reflete e por quem tudo foi criado […]. O Espírito, vínculo infinito de amor, […] intimamente presente no coração do universo […]» (Laudato Si’, n.º 238).