A Igreja Católica na Era Digital: Entre a Evangelização e os Desafios das Redes Sociais

( Pe. Miguel Neto, Diocese do Algarve) – No final do primeiro quartel do século XXI, entrámos a todo o gás na era digital e tecnológica. Num mundo em constante e acelerada mutação, a Igreja é desafiada a tornar presente a Boa Nova de forma criativa em todos os lugares onde as pessoas procuram sentido e amor, também nos seus telemóveis e tablets. Para nos ajudar a compreender os desafios e oportunidades da Missão no ambiente digital, convidámos o Pe. Miguel Neto, que se tem dedicado a investigar em profundidade esta questão, que o Sínodo considerou crucial para o testemunho da Igreja na cultura contemporânea e, como tal, fundamental numa Igreja sinodal.

José Manuel de Urquidi, missionário digital, influenciador e criador de conteúdos católicos nos EUA e na América Latina, foi um dos membros do Sínodo, em Roma, em outubro de 2023 e 2024. Foto: synod.va/Lagarica

No momento em que a Igreja Católica enfrenta o desafio da era digital, surge uma questão fundamental: como evangelizar num mundo cada vez mais conectado, mantendo a autenticidade da mensagem cristã? O panorama atual mostra uma Igreja numa encruzilhada. Por um lado, as plataformas digitais oferecem oportunidades sem precedentes para a evangelização, permitindo que cada católico se torne um potencial “micro influenciador”. Por outro, esta democratização da comunicação religiosa traz consigo riscos significativos, incluindo a fragmentação da mensagem católica e o surgimento de um “magistério paralelo”. 

A literacia mediática emerge, assim, como uma necessidade urgente. Importa precisar que a literacia mediática é a capacidade de compreender e usar informações, medias e tecnologias de maneira crítica, efetiva e reflexiva. Deve ser entendida como ter acesso aos media, conhecer as suas várias facetas, ter uma perspetiva crítica dos seus conteúdos e criar comunicação em múltiplos contextos. Isso significa estar à vontade com todos os tipos de meios de comunicação, desde os jornais, às comunidades virtuais e utilizá-los ativamente, mas, também, ter uma visão crítica deles, em termos de qualidade e exatidão dos conteúdos, compreendendo a economia dos media e a diferença entre pluralismo e propriedade, tendo, simultaneamente, consciência das questões relacionadas com os direitos de autor, que são essenciais para uma “cultura da legalidade”, especialmente para os jovens, enquanto consumidores e produtores de conteúdos. 

A primeira sessão da Assembleia Sinodal destacou uma série de temas de grande relevância para a vida e missão da Igreja, que o Papa Francisco confiou a Grupos de Estudo para aprofundar com o método sinodal. Entre eles está a missão no ambiente digital. Foto: synod.va/Lagarica

Perante a questão da importância da literacia mediática não podemos esquecer que a vivência religiosa é uma realidade da vida humana e ocupa um espaço significativo no ambiente digital. Faz parte da missão da Igreja Católica evangelizar ao anunciar os valores judaico-cristãos, que estão na base da ética e do humanismo das nossas sociedades, no ambiente digital, para que possamos ler e viver esses valores, tanto no ambiente físico, como no digital. 

É neste aspeto, que defendo o contributo da Igreja Católica para este ambiente não se limita a ser aplicado de forma meramente instrumental, mas reconhecendo estes media como um espaço de vida e testemunho, onde a Fé tem um lugar central e pode ser transmitida, partilhada e contribuirmos para que existam melhores cristãos e seres humanos.

Rumo à presença plena

O Magistério atual, sobretudo através dos documentos sinodais e da reflexão pastoral do dicastério para a comunicação, intitulada “Rumo à presença plena”, destaca a importância da cultura digital, como uma dimensão crucial da missão da Igreja, reconhecendo a necessidade de evangelização neste ambiente e a formação contínua, para lidar com desafios como a desinformação e a polarização. Enfatiza a necessidade de uma comunicação eficaz e contínua nas redes sociais, destacando a importância do discernimento, da prudência e da promoção de relações genuínas e solidárias, combatendo a desigualdade digital e evitando o tribalismo online. Aborda a transformação das interações humanas pela digitalização e a necessidade de a Igreja se adaptar, promovendo um espaço digital inclusivo e comunitário, onde as pessoas possam encontrar-se, partilhar e crescer juntas. A Igreja deve aprender a caminhar com todos no ambiente digital, reconhecendo os desafios da polarização e a necessidade de formar missionários digitais, que promovam a comunhão e a solidariedade. Há uma urgência em formar e acompanhar os evangelizadores digitais, propagando uma presença ativa e pastoral, que responda às necessidades contemporâneas, especialmente dos jovens e dos marginalizados.

Com os avanços tecnológicos e a crescente influência das redes sociais, a Igreja enfrenta o desafio de se adaptar a este ambiente digital, complexo e dinâmico. É necessária literacia mediática para os membros da Igreja Católica, o que implica a necessidade de desenvolver competências específicas, para uma evangelização eficaz e inclusiva. A cultura digital é uma dimensão crucial para a missão da Igreja, especialmente na evangelização das novas gerações. Os jovens, familiarizados com este ambiente e atores permanentes nele, são agentes chave na disseminação da mensagem do Evangelho. 

Para isso, é essencial que os membros da Igreja tenham uma compreensão profunda de como funcionam as redes sociais e as dinâmicas da comunicação digital, que oferece inúmeras oportunidades, mas também apresenta desafios significativos, como a desinformação e a polarização. A Igreja deve estar preparada para enfrentar esses desafios, garantindo que a sua presença online seja segura, positiva e espiritualmente enriquecedora. O Papa Francisco alerta para duas tentações que devem ser evitadas: por um lado, a rejeição total do digital, refugiando-se num conservadorismo nostálgico; por outro, a aceitação acrítica de tudo o que é novo, desconsiderando a rica tradição da Igreja. O desafio não é apenas usar bem as redes sociais, mas viver bem no tempo das redes. Por isso, é inegável que os crentes devem repensar como o Cristianismo e o Evangelho devem estar presentes nesta realidade. Para enfrentar este desafio é necessário evitar estas duas possíveis tentações: 

Após o primeiro encontro mundial, na JMJ Lisboa 2023, em 28 e 29 de julho, haverá, em Roma, o Jubileu dos missionários digitais e dos influenciadores católicos. Foto: Sebastião Roxo
  1. por um lado, condenar tudo, referindo-se à ideia de que “qualquer tempo passado foi melhor”, refugiando-se no conservadorismo ou fundamentalismo; 
  2. por outro lado, “consagrar” tudo, desconsiderando qualquer coisa que não tenha um “gosto de novidade” e relativizando toda a sabedoria que o rico património eclesial acumula. 

Assim, o desafio não deve ser apenas como usar bem a rede, mas viver bem no tempo da rede e, para tal, descobrir como o fazer. Além disso, não se trata apenas de notar a presença do Cristianismo na web, mas de perguntar se é possível um diálogo fluido entre este novo espaço iluminado e a espiritualidade e a tecnologia. Tudo isso, com a certeza de que é essencial uma comunicação permanente e contínua, porque o ambiente digital não permite o vazio de comunicação. Vazio de comunicação é ausência de ligação, de conexão, de relação. Os membros da Igreja, desde o clero até aos leigos, precisam urgentemente de desenvolver competências para navegar no ambiente digital de forma eficaz e responsável. Esta formação não se limita apenas ao uso técnico das ferramentas digitais, mas estende-se à compreensão profunda das dinâmicas da comunicação online e dos seus impactos na transmissão da fé.

Os padres influenciadores digitais

A explosão das redes sociais trouxe um fenómeno interessante para o catolicismo: os padres influenciadores digitais. À primeira vista, parece uma evolução natural da evangelização para a era digital. Contudo, uma análise mais profunda revela desafios significativos, que merecem atenção.

O principal problema reside na tensão entre a lógica das redes sociais e a missão evangelizadora. As plataformas digitais privilegiam o espetáculo, o conflito e o personalismo – elementos que frequentemente chocam com os valores evangélicos fundamentais. Quando um sacerdote se torna influenciador, ele, inevitavelmente, se submete às regras da fidelização digital, que exigem constante autopromoção e busca por visualizações.

Os mais jovens, chamados “nativos digitais”, são os mais bem preparados para evangelizar no ambiente digital, bem como para acompanhar comunidade, inclusive os próprios inclusive os próprios pastores, nesta missão Foto: Bruno Seabra/JMJ Lisboa

Esta dinâmica tem gerado o que podemos chamar de “magistério paralelo”. Alguns padres influenciadores acabam por construir verdadeiras “bolhas eclesiais”, nas quais a sua interpretação pessoal da doutrina ganha mais peso, que o próprio magistério da Igreja. Em casos extremos, as suas palavras têm mais autoridade para seus seguidores, do que as orientações de bispos ou até mesmo do Papa.

Outro aspecto preocupante é a mercantilização da fé. Muitos desses influenciadores acabam por transformar conteúdo religioso em produto, adaptando mensagens sagradas à lógica do consumo digital. Esta comercialização pode resultar numa simplificação excessiva ou distorção de verdades fundamentais.

A Igreja enfrenta, agora, o desafio de encontrar um equilíbrio entre presença digital e fidelidade à sua missão. É possível evangelizar nas redes sociais? Certamente. Mas é crucial diferenciar um verdadeiro evangelizador digital, de um mero influenciador católico. O primeiro coloca a mensagem do Evangelho no centro; o segundo, muitas vezes, coloca-se a si mesmo.

O caminho futuro exigirá discernimento, tanto da hierarquia eclesiástica, quanto dos fiéis. É necessário desenvolver critérios claros para distinguir entre uma presença digital autenticamente evangelizadora e aquela que apenas reproduz os vícios da cultura digital contemporânea.

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