( Pe. Miguel Neto, Diocese do Algarve) – No final do primeiro quartel do século XXI, entrámos a todo o gás na era digital e tecnológica. Num mundo em constante e acelerada mutação, a Igreja é desafiada a tornar presente a Boa Nova de forma criativa em todos os lugares onde as pessoas procuram sentido e amor, também nos seus telemóveis e tablets. Para nos ajudar a compreender os desafios e oportunidades da Missão no ambiente digital, convidámos o Pe. Miguel Neto, que se tem dedicado a investigar em profundidade esta questão, que o Sínodo considerou crucial para o testemunho da Igreja na cultura contemporânea e, como tal, fundamental numa Igreja sinodal.

No momento em que a Igreja Católica enfrenta o desafio da era digital, surge uma questão fundamental: como evangelizar num mundo cada vez mais conectado, mantendo a autenticidade da mensagem cristã? O panorama atual mostra uma Igreja numa encruzilhada. Por um lado, as plataformas digitais oferecem oportunidades sem precedentes para a evangelização, permitindo que cada católico se torne um potencial “micro influenciador”. Por outro, esta democratização da comunicação religiosa traz consigo riscos significativos, incluindo a fragmentação da mensagem católica e o surgimento de um “magistério paralelo”.
A literacia mediática emerge, assim, como uma necessidade urgente. Importa precisar que a literacia mediática é a capacidade de compreender e usar informações, medias e tecnologias de maneira crítica, efetiva e reflexiva. Deve ser entendida como ter acesso aos media, conhecer as suas várias facetas, ter uma perspetiva crítica dos seus conteúdos e criar comunicação em múltiplos contextos. Isso significa estar à vontade com todos os tipos de meios de comunicação, desde os jornais, às comunidades virtuais e utilizá-los ativamente, mas, também, ter uma visão crítica deles, em termos de qualidade e exatidão dos conteúdos, compreendendo a economia dos media e a diferença entre pluralismo e propriedade, tendo, simultaneamente, consciência das questões relacionadas com os direitos de autor, que são essenciais para uma “cultura da legalidade”, especialmente para os jovens, enquanto consumidores e produtores de conteúdos.

Perante a questão da importância da literacia mediática não podemos esquecer que a vivência religiosa é uma realidade da vida humana e ocupa um espaço significativo no ambiente digital. Faz parte da missão da Igreja Católica evangelizar ao anunciar os valores judaico-cristãos, que estão na base da ética e do humanismo das nossas sociedades, no ambiente digital, para que possamos ler e viver esses valores, tanto no ambiente físico, como no digital.
É neste aspeto, que defendo o contributo da Igreja Católica para este ambiente não se limita a ser aplicado de forma meramente instrumental, mas reconhecendo estes media como um espaço de vida e testemunho, onde a Fé tem um lugar central e pode ser transmitida, partilhada e contribuirmos para que existam melhores cristãos e seres humanos.
Rumo à presença plena
O Magistério atual, sobretudo através dos documentos sinodais e da reflexão pastoral do dicastério para a comunicação, intitulada “Rumo à presença plena”, destaca a importância da cultura digital, como uma dimensão crucial da missão da Igreja, reconhecendo a necessidade de evangelização neste ambiente e a formação contínua, para lidar com desafios como a desinformação e a polarização. Enfatiza a necessidade de uma comunicação eficaz e contínua nas redes sociais, destacando a importância do discernimento, da prudência e da promoção de relações genuínas e solidárias, combatendo a desigualdade digital e evitando o tribalismo online. Aborda a transformação das interações humanas pela digitalização e a necessidade de a Igreja se adaptar, promovendo um espaço digital inclusivo e comunitário, onde as pessoas possam encontrar-se, partilhar e crescer juntas. A Igreja deve aprender a caminhar com todos no ambiente digital, reconhecendo os desafios da polarização e a necessidade de formar missionários digitais, que promovam a comunhão e a solidariedade. Há uma urgência em formar e acompanhar os evangelizadores digitais, propagando uma presença ativa e pastoral, que responda às necessidades contemporâneas, especialmente dos jovens e dos marginalizados.
Com os avanços tecnológicos e a crescente influência das redes sociais, a Igreja enfrenta o desafio de se adaptar a este ambiente digital, complexo e dinâmico. É necessária literacia mediática para os membros da Igreja Católica, o que implica a necessidade de desenvolver competências específicas, para uma evangelização eficaz e inclusiva. A cultura digital é uma dimensão crucial para a missão da Igreja, especialmente na evangelização das novas gerações. Os jovens, familiarizados com este ambiente e atores permanentes nele, são agentes chave na disseminação da mensagem do Evangelho.
Para isso, é essencial que os membros da Igreja tenham uma compreensão profunda de como funcionam as redes sociais e as dinâmicas da comunicação digital, que oferece inúmeras oportunidades, mas também apresenta desafios significativos, como a desinformação e a polarização. A Igreja deve estar preparada para enfrentar esses desafios, garantindo que a sua presença online seja segura, positiva e espiritualmente enriquecedora. O Papa Francisco alerta para duas tentações que devem ser evitadas: por um lado, a rejeição total do digital, refugiando-se num conservadorismo nostálgico; por outro, a aceitação acrítica de tudo o que é novo, desconsiderando a rica tradição da Igreja. O desafio não é apenas usar bem as redes sociais, mas viver bem no tempo das redes. Por isso, é inegável que os crentes devem repensar como o Cristianismo e o Evangelho devem estar presentes nesta realidade. Para enfrentar este desafio é necessário evitar estas duas possíveis tentações:

- por um lado, condenar tudo, referindo-se à ideia de que “qualquer tempo passado foi melhor”, refugiando-se no conservadorismo ou fundamentalismo;
- por outro lado, “consagrar” tudo, desconsiderando qualquer coisa que não tenha um “gosto de novidade” e relativizando toda a sabedoria que o rico património eclesial acumula.
Assim, o desafio não deve ser apenas como usar bem a rede, mas viver bem no tempo da rede e, para tal, descobrir como o fazer. Além disso, não se trata apenas de notar a presença do Cristianismo na web, mas de perguntar se é possível um diálogo fluido entre este novo espaço iluminado e a espiritualidade e a tecnologia. Tudo isso, com a certeza de que é essencial uma comunicação permanente e contínua, porque o ambiente digital não permite o vazio de comunicação. Vazio de comunicação é ausência de ligação, de conexão, de relação. Os membros da Igreja, desde o clero até aos leigos, precisam urgentemente de desenvolver competências para navegar no ambiente digital de forma eficaz e responsável. Esta formação não se limita apenas ao uso técnico das ferramentas digitais, mas estende-se à compreensão profunda das dinâmicas da comunicação online e dos seus impactos na transmissão da fé.
Os padres influenciadores digitais
A explosão das redes sociais trouxe um fenómeno interessante para o catolicismo: os padres influenciadores digitais. À primeira vista, parece uma evolução natural da evangelização para a era digital. Contudo, uma análise mais profunda revela desafios significativos, que merecem atenção.
O principal problema reside na tensão entre a lógica das redes sociais e a missão evangelizadora. As plataformas digitais privilegiam o espetáculo, o conflito e o personalismo – elementos que frequentemente chocam com os valores evangélicos fundamentais. Quando um sacerdote se torna influenciador, ele, inevitavelmente, se submete às regras da fidelização digital, que exigem constante autopromoção e busca por visualizações.

Esta dinâmica tem gerado o que podemos chamar de “magistério paralelo”. Alguns padres influenciadores acabam por construir verdadeiras “bolhas eclesiais”, nas quais a sua interpretação pessoal da doutrina ganha mais peso, que o próprio magistério da Igreja. Em casos extremos, as suas palavras têm mais autoridade para seus seguidores, do que as orientações de bispos ou até mesmo do Papa.
Outro aspecto preocupante é a mercantilização da fé. Muitos desses influenciadores acabam por transformar conteúdo religioso em produto, adaptando mensagens sagradas à lógica do consumo digital. Esta comercialização pode resultar numa simplificação excessiva ou distorção de verdades fundamentais.
A Igreja enfrenta, agora, o desafio de encontrar um equilíbrio entre presença digital e fidelidade à sua missão. É possível evangelizar nas redes sociais? Certamente. Mas é crucial diferenciar um verdadeiro evangelizador digital, de um mero influenciador católico. O primeiro coloca a mensagem do Evangelho no centro; o segundo, muitas vezes, coloca-se a si mesmo.
O caminho futuro exigirá discernimento, tanto da hierarquia eclesiástica, quanto dos fiéis. É necessário desenvolver critérios claros para distinguir entre uma presença digital autenticamente evangelizadora e aquela que apenas reproduz os vícios da cultura digital contemporânea.
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