(P. José dos Santos Guedes, Missionário da Boa Nova) – O Ano Santo 2025 é um tempo de libertação e reconciliação para os cristãos de todo o mundo. Pelo tema escolhido, Peregrinos de Esperança, o Papa Francisco desafia todos e cada um a colocar-se a caminho, um caminho que se quer percorrido com a lente da “esperança que não engana”. Deslocando o eixo de observação do contexto europeu e ocidental, mais expectável e mediático, para outras realidades mundiais, mais periféricas, somos convidados a percecionar de que forma os sinais do Jubileu são vividos e sentidos noutros continentes. A análise inicia pelo continente africano, onde o espírito do Jubileu ultrapassa o universo religioso e cruza-se com as realidades social, cultural e económica dos vários países que o compõem.

Segundo o economista Thomas Sowell, os condicionalismos geográficos do continente africano foram, no passado, uma das principais causas da sua falta de desenvolvimento. Sendo embora um continente enorme (30 milhões de km2), tem uma costa (30.500 km) menor que a Europa. A costa africana tem poucos recortes e ilhas, dificultando a formação de baías e golfos, o que torna difícil a existência de portos de mar profundos, acessíveis a barcos de grande porte. A maior parte do continente é planalto, com planícies junto à costa. Os rios não são navegáveis em grandes extensões, devido a rápidos e quedas. Além disso, a presença da mosca do sono em muitas zonas do interior tornou impossível o uso de animais para transporte. Tudo isso dificultou o intercâmbio comercial e cultural, algo indispensável para o desenvolvimento e a criação de civilizações e impérios. Não é de surpreender que em África encontremos uma grande multiplicidade de grupos tribais, muitas vezes isolados uns dos outros. Com uma grande variedade de línguas, a comunicação entre os diversos povos tornava-se mais difícil. Além disso, a malária era (e ainda é) endémica, debilitando as populações e diminuindo a capacidade de trabalho. Vários povos, como os Lambas, na Zâmbia, eram caçadores-coletores, sobrevivendo do que encontravam na floresta. Os que se dedicavam à agricultura, praticavam uma agricultura de subsistência.

Em todos os continentes, a história da humanidade tem passado por grandes migrações, levando a um amalgamar de povos e ao surgir de novas culturas e civilizações. Como em todos os outros continentes, também em África existiram guerras inter-tribais, levando à invasão e conquista de territórios. Na Zâmbia, por exemplo, os Ngonis e os Lozis vieram do Sul, enquanto os Bembas, os Lambas e os Kaondes vieram de entre a fronteira de Angola e do Congo. Vieram, conquistaram e dominaram, impondo a sua língua e a sua cultura. Essa interação, umas vezes pacífica, outras violenta, teve consequências positivas e negativas, que se fazem sentir até aos dias de hoje.
Tal como em todas as sociedades do passado, a escravatura era uma realidade sempre presente. Lembro-me que, em 1972, no pré-seminário de Momola, em Nampula, Moçambique, cada mês escolhíamos um aluno para supervisionar os outros e nunca houve problemas, até que um dia escolhemos um que ninguém respeitou. Ao perguntar sobre a razão de tal atitude, disseram-nos que ele era escravo e, por isso, ninguém lhe obedecia. Nas sociedades tradicionais, a escravatura era normal. Na Zâmbia, os Bembas viviam em boa parte do assalto às caravanas e do ataque às aldeias de outras tribos, vendendo os capturados como escravos ou trocando-os por armas de fogo. Além da escravatura nas sociedades tradicionais, houve o tráfico de escravos levado a cabo pelos mouros do Norte de África e o tráfico da costa oriental de África. Os Europeus, que já tinham banido a escravatura no seu território, acabaram por se envolver no tráfico de escravos, dando origem ao tráfico transatlântico, que levou muitos africanos para as Américas. Esses escravos eram capturados por grupos rivais e vendidos aos traficantes nos entrepostos comerciais costeiros.
O restante de Nos Caminhos do Mundo pode ser lido na versão impressa da Revista Boa Nova de março 2025. Faça já a sua assinatura.