(Eva Dias) – Para conhecer a Animação Missionária da Sociedade Missionária da Boa Nova (SMBN) na atualidade, a Boa Nova esteve à conversa com o Pe. Amaro Ferreira, coordenador do Departamento de Animação Missionária desde o ano de 2020. Dos desafios iniciais aos projetos em curso, passando pela forma como a missão é encarada pela Igreja em Portugal, o Pe. Amaro Ferreira traça uma panorâmica incisiva sobre a realidade da Animação Missionária dentro e fora da SMBN.

Boa Nova (BN) – O Pe. Amaro Ferreira é o responsável pela Animação Missionária da SMBN desde o ano de 2020. Quais os principais desafios que enfrentou na coordenação deste serviço?
Pe. Amaro Ferreira (PAF) – Depois de 13 anos em Moçambique, toda a minha experiência missionária e pastoral estava profundamente enraizada no contexto da Igreja moçambicana. Por isso, o primeiro grande desafio foi a reintegração no contexto eclesial português. A realidade da Igreja em Portugal é bastante diferente e exigiu uma adaptação significativa. Além disso, a Animação Missionária é um serviço muito específico e, vindo de um ambiente pastoral tão distinto, não foi fácil compreendê-lo plenamente. Conhecer as pessoas, identificar os colaboradores e tentar implementar uma pastoral de proximidade – algo que considero mais desafiante aqui do que em Moçambique – foram passos iniciais importantes, mas exigentes. Ao chegar, não encontrei um programa definido, nem objetivos delineados, nem equipas constituídas. Apenas me foi confiado um trabalho. O desafio passou então por recomeçar quase do zero, lançar as sementes, sonhar e construir. Confesso que esperava encontrar um setor mais estruturado, com uma equipa em funcionamento. Contudo, percebi que o principal e mais exigente desafio seria precisamente este: fazer animação missionária dentro da própria SMBN.
Outro obstáculo marcante foi o facto de ter assumido esta missão em plena pandemia. As igrejas estavam fechadas ou vazias, e as atividades do serviço estavam praticamente paradas. Recomeçar, passo a passo, num contexto tão adverso, não foi tarefa fácil.
(BN) – Antes de assumir este serviço, durante mais de uma década foi pároco da Paróquia do Sagrado Coração do Chibuto, na Diocese de Xai-Xai, no sul de Moçambique. Dessa experiência missionária, quais foram os conhecimentos e ferramentas que transportou para a nova missão a que foi chamado como animador missionário da SMBN?
(PAF) – Em Moçambique, habituei-me a trabalhar com escassos recursos. Foi precisamente nessa limitação que aprendi a valorizar o papel insubstituível e a generosidade dos leigos. Os meus verdadeiros mestres na animação missionária foram os inúmeros leigos – catequistas, animadores de comunidades e de vários serviços pastorais – que, com dedicação e fé, mantinham viva a missão nas suas comunidades.
Hoje, continuo a valorizar profundamente os colaboradores e Auxiliares das Missões e a procurar envolver cada vez mais pessoas nesta tarefa essencial. Servi numa paróquia imensa, com muitas comunidades e uma grande diversidade de pessoas envolvidas no trabalho missionário. Para mim, são eles o verdadeiro testemunho de uma animação missionária viva, dinâmica e profundamente enraizada na fé. Este serviço que hoje desempenho requer várias disponibilidades: tempo, criatividade, liberdade interior para não esperar resultados imediatos, e coragem para sair, para ir ao encontro, muitas vezes por longos períodos fora de casa. Também exige estar aberto ao imprevisto, estar disponível para qualquer serviço pastoral que surja. Costumo dizer que até um funeral pode ser uma oportunidade de animação missionária, ou seja, de levar o amor pela missão e dar testemunho do Evangelho, mesmo nas situações mais inesperadas e delicadas.
A verdade é que, se nos limitarmos a uma “pastoral de sofá” – expressão do Papa Francisco –, ou à segurança do cartório paroquial, a missão não acontece. A missão exige movimento, ação, escuta, presença – isso foi, e continua a ser, a escola que trago de África.
(BN) – Para aqueles que não conhecem a Animação Missionária da SMBN, como a pode definir?
(PAF) – A resposta a esta pergunta encontra-se, antes de mais, ao percorrermos os Evangelhos e o Livro dos Atos dos Apóstolos, onde se revela o dinamismo missionário que dá origem à própria Igreja. Mas, naturalmente, para qualquer instituto missionário, contamos também com os documentos da Igreja que servem como referência e orientação segura, desde o Concílio Vaticano II ao magistério dos Papas, até aos nossos dias.

Do ponto de vista eclesial, este serviço insere-se numa longa tradição missionária da Igreja, conforme delineado pelo Concílio Vaticano II, como o decreto Ad Gentes, confirmado pelo Papa João Paulo II na encíclica Redemptoris Missio, na encíclica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco e, mais recentemente, na caminhada do Sínodo sobre a Sinodalidade, que recorda que a missão nasce da escuta, da comunhão e da corresponsabilidade de todos os batizados.
A Animação Missionária da SMBN pode ser entendida como o esforço pastoral de manter viva a consciência missionária na Igreja, ajudando os fiéis a reconhecer que a missão não é um apêndice da fé, mas a sua própria essência: cultivar uma mentalidade aberta ao mundo, à evangelização, ao encontro e solidariedade com os outros.
Este serviço tem também uma dimensão formativa: ajudar as comunidades a crescer numa espiritualidade missionária, alimentada pela Palavra, pela oração, pelo testemunho de vida e pela solidariedade concreta com as missões e os missionários. É um trabalho de fundo, muitas vezes silencioso, mas essencial para que a missão se torne verdadeiramente parte da identidade de cada cristão.
Como disse o Papa Francisco, “a missão é o oxigénio da Igreja”. Sem ela, a vida eclesial corre o risco de se fechar sobre si mesma e perder a alegria do Evangelho. Este serviço envolve sensibilizar, formar, rezar, propor caminhos de partilha e promover um espírito de comunhão com as Igrejas mais necessitadas. Um dos momentos privilegiados têm sido as Semanas Missionárias, que organizamos em diversas comunidades, momentos fortes onde a missão deixa de ser um ideal distante e se torna experiência concreta de fé vivida. Aí, os missionários partilham testemunhos, divulgam o carisma e missão da SMBN, promovem a imprensa missionária e incentivam os jovens à descoberta da vocação missionária.
Entendo que a Animação Missionária é mais do que um Departamento: é um estado de espírito, uma atitude constante de abertura, de criatividade e reinvenção, de compromisso com o Evangelho e com o mundo.
(BN) – Como define o seu papel como animador missionário?
Para ser animador missionário, é fundamental gostar da missão e ter passado por ela de forma verdadeira, concreta e comprometida. Ninguém pode falar com alegria e convicção daquilo que não conhece, ou não viveu. Passar pela missão não é o mesmo que ter ido “de visita” ou passar férias num país de missão: é preciso ter mergulhado, sofrido, aprendido e amado essa realidade com toda a alma. Enquanto animador missionário, vejo o meu papel como o de alguém que desperta consciências, propõe caminhos, motiva a participação e abre horizontes. Mais do que apresentar programas fechados, procuro criar espaço para que o Espírito Santo fale aos corações e faça nascer novos dinamismos.
(BN) – Do vasto legado dos seus antecessores no Departamento de Animação Missionária, quais são as suas principais referências e quais ações destacaria?
(PAF) – É uma pergunta difícil de responder, precisamente porque sou missionário e por ter conhecido muitos missionários. Hoje, estando neste serviço, entendo que quando era criança e jovem, todos os padres da Sociedade Missionária que via e admirava me pareciam, de alguma forma, verdadeiros animadores missionários, mesmo que não o fossem formalmente. Foram testemunhos vivos que despertaram em mim o amor pela missão.
Mas, correndo o risco de não referir todos, entre os nomes que mais marcaram o caminho da Animação Missionária da SMBN, destaco o Pe. João Avelino, fundador da missão do Chibuto, onde tive a graça de trabalhar. Foi um animador incansável, especialmente no Alto Minho, e a sua memória continua viva nas comunidades que tocou. Lembro também com gratidão o Irmão Celso, o Pe. Manuel Neves, o Pe. Tomás Borges, o Pe. Horácio, o Pe. Jerónimo e o Pe. Manuel Bastos. Estes dois últimos tiveram um papel fundamental no lançamento dos Leigos Boa Nova, uma iniciativa que deu muitos frutos para a missão e que mereceria, talvez, um novo impulso, pois atualmente encontra-se praticamente paralisada.
São muitos os nomes e as marcas da sua entrega que ainda hoje vou encontrando, seja em comunidades, pessoas ou histórias. O seu legado é profundo e, muitas vezes, silencioso. Todos eles, cada um à sua maneira, foram construtores de pontes e provocadores de vocações e entusiasmo missionários. São referências que me inspiram, não para repetir, mas para continuar com fidelidade criativa a obra que iniciaram. Julgo até que se poderia dedicar um número especial da revista, como aquele publicado por ocasião do seu centenário, para lhes prestar homenagem.
Pode ler o restante do 1º Plano na versão impressa de julho de 2025. Faça já a sua assinatura.


