Bem-aventurados os que choram porque serão consolados

(Pe. Adelino Ascenso, Superior Geral da SM Boa Nova) – No itinerário para o seu Jubileu Centenário, em 2030, a Sociedade Missionária da Boa Nova(SMBN) elegeu o lema «Servidores das Bem-aventuranças». O presente Ano da Esperança é dedicado à felicidade dos que choram com os outros, com as injustiças e as guerras, pois esses serão consolados com a consolação de Jesus, que enxugará todas as lágrimas e convertê-las-á em alegria. Tais lágrimas são fonte de consolação e de Esperança.

«Somos convidados a sermos consoladores, neste tempo onde parece prevalecer o ódio, a violência, a pressão e o azedume». D. Luiz Fernando Lisboa junto aos deslocados da guerra de Cabo Delgado. Foto: SM Boa Nova

Nunca mais me esqueço daquela resposta que me deu o antigo chanceler da arquidiocese de Osaka, quando eu lhe disse que admirava a sua eficiência como chanceler: «Eu aprendo a gostar daquilo que é necessário que eu faça e faço apenas aquilo que tenho de fazer». Que grande nobreza de alma! Atribui-se ao filósofo dinamarquês Kierkegaard (1813-1855) a frase seguinte: «Aquele que sou, saúda, tristemente, aquele que eu poderia ser» (in Anselm GRÜN, As Oito Bem-Aventuranças, A.O. 2010, p. 45. A partir daqui, AOBA). É o oposto: a desilusão, a frustração, a aflição.

Lágrimas do luto

A frase de Kierkegaard («Aquele que sou, saúda, tristemente, aquele que eu poderia ser») tem a ver com o luto que é preciso fazer pela vida não vivida. Há muitas coisas que gostaria de ter feito e não fiz, mas é preciso fazer o luto. Não é resignação, mas sim uma reação mais racional: não segui daquela vez pelas neves eternas do Tibete, num percurso que duraria, segundo os meus cálculos, uns três meses; não comprei uma canoa para explorar a margem inóspita do Lago Titicaca; não comprei um camelo para me embrenhar sozinho pelo deserto durante um par de semanas. Faço o luto. A felicidade virá depois da dor do luto, até porque «todas as vezes que me decido por alguma coisa, tenho que fazer luto por aquilo que não posso viver» (AOBA, p. 50). É só quando reconhecemos os nossos défices que experimentamos a assistência divina. A primeira coisa que é necessário conceder-nos é a possibilidade de nos enganarmos, com a maturidade de saber reconhecer os próprios erros e com eles aprender.

Lágrimas do pecado

Além das lágrimas do luto, há as lágrimas derivadas do pecado: o pecado de não ter amado. Tal tipo de lágrimas purifica e leva a um amor novo e mais verdadeiro. Por exemplo, as lágrimas de Pedro, o «choro que purifica, que renova» (Papa Francisco); o choro como uma graça. Efrém, o Sírio [c. 306-373], dizia, no seu Discurso ascético, que um rosto lavado pelas lágrimas é de uma beleza indescritível. A beleza do choro, a beleza do arrependimento, a beleza do perdão.

Lágrimas de compaixão

«Chorai com os que choram», aconselha São Paulo aos Romanos (Rm 12,15). O chorar com quem chora é aceitar a partilha do sofrimento do outro. Nas Escrituras, a par das lágrimas pelo próprio pecado – «quando o coração sangra pela dor de ter ofendido a Deus e ao próximo» (Papa Francisco), encontra-se o choro pela morte ou pelo sofrimento de alguém: a «compaixão», a solidariedade na dor. Dizia um monge budista japonês do século XV, Ren-nyo (1415-1499), que a dor partilhada diminui para metade e a alegria partilhada duplica, triplica e quadruplica. As lágrimas de compaixão implicam o sentirmo-nos tocados pelo sofrimento do outro. E esse choro é consolo. Somos convidados a sermos consoladores, neste tempo onde parece prevalecer o ódio, a violência, a pressão e o azedume; neste mundo a morrer de sede de amor e fome de esperança. «Amar com o sorriso, com a proximidade, com o serviço e também com o choro», diz o Papa Francisco.

Monumento de «consolação»

«Bem-aventurados os que choram porque serão consolados». Esta bem-aventurança é um monumento de «consolação» e da sua promessa. A consolação divina não é algo que venha pôr fim à provação, como se fossem duas coisas opostas. «Não, a consolação nasce no próprio seio da provação, quando esta é aceite com fé e vivida em comunhão com o Senhor» (Jacques PHILIPPE, A Felicidade onde não esperamos encontrá-la. Meditações sobre as Bem-Aventuranças, Lucerna 2021, p. 59). Enquanto há aflitos para consolar, há também consolados para afligir, adverte o Papa Francisco.