
(P. José Armando Vicente, Superior Regional da SMBN do Brasil) – É nossa tradição aqui no Brasil iniciar a Celebração de Quarta-feira de Cinzas com a abertura da Campanha da Fraternidade. A Campanha da Fraternidade (CF) deste ano de 2025 convida os cristãos, os homens e mulheres de boa vontade, enfim, a toda sociedade brasileira, a refletir sobre a urgência de cuidar da nossa Casa Comum, promovendo uma ecologia integral que conecta a fé cristã com a responsabilidade socioambiental. A CF 2025 propõe ações que integram espiritualidade, justiça social e o cuidado com o meio ambiente, oferecendo à sociedade caminhos para uma conversão integral.
Objetivo Geral da CF 2025: Promover, em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra.
“Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)
O mundo e tudo o que nele existe – luz, dia, noite, água doce, água do mar, céu, terra, plantas, ervas que que contenham sementes e árvores frutíferas, luzeiros, multidão de seres vivos, monstros marinhos (GN 1,21: “E Deus viu que isso era bom”), aves do céu, animais domésticos, répteis e animais selvagens, o homem e mulher – é bom (cf. Gn 1,10, 12, 18, 21, 25, 31: “E viu que tudo isso era bom; viu que tudo era muito bom) porque é obra, criatura de Deus. Portanto, a origem do mundo é divina.
Ora, se o mundo é bom, isto é, “se Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31), urge perguntar: – como justificar os males ambientais? quem é o autor da crise ecológica, da degradação e da contaminação ambientais (poluição do ar e da água; exposição aos poluentes atmosféricos; poluição causada pelos transportes, pela fumaça da indústria, pelas descargas de substâncias que
contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agrotóxicos, da poluição provocada pelos resíduos); das mudanças climáticas (grandes secas e enchentes)? Certamente, o causador da crise ecológica não pode ser Deus.
Causas da crise ambiental
O causador da crise ecológica só pode ser humano: eu, você e nós. Penã afirmava que a catástrofe que nos ameaça foi gerada pela ideia judeu-cristã de que o homem exerce senhorio ilimitado sobre o mundo: a ordem “dominai a terra” contida em Gn 1,28 teria dado luz verde para uma dinâmica acelerada com a moral produtivista e consumista vigente nos nossos dias.
De acordo com Francisco, o ser humano vê a natureza, objetivamente, como espaço e matéria onde pode realizar uma obra em que se imerge completamente, sem se importar com que possa suceder a ela. Para Papa Francisco, nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que hoje, com outra roupagem, continua a minar toda referência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais. Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o mundo. Mas muitas vezes foi transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse atividade de fracos. Na modernidade, o ser humano se declarou autônomo da realidade e se constituiu dominador absoluto. O homem substituiu-se a Deus e deste modo não reconhece à natureza um valor próprio. Está-se, na opinião de Francisco, diante de um antropocentrismo desordenado.
Em suma, olhando, hoje, o nosso planeta, vemos as alterações climáticas e a poluição crescente e ameaçadora. Sentimos medo diante da escassez de água, que não só nos mata a sede, mas agrava a questão da escassez de alimentos. Assistimos perplexos, a extinção de espécies inteiras e modificações genéticas acontecendo. Mais uma vez, nos perguntamos: qual é o futuro da criação?
O Futuro e / ou fim da criação
Nas Sagradas Escrituras, encontram-se duas séries de textos relativos ao tema sobre o fim ou o futuro da criação:
1ª: Tudo se ordena a Deus; ele é o fim último de tudo. 1Cor 3,21-23 estabelece uma hierarquia de finalidades que culmina, através de Cristo, em Deus. 1Cor 15,24-28 manifesta que o fim de tudo é a soberania de Cristo, que por sua vez, submeter-se-á a Deus: Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque ele “tudo sujeitou debaixo de seus pés”. Ora, quando se diz que “tudo” lhe foi sujeito, fica claro que isso não inclui o próprio Deus, que tudo submeteu a Cristo. Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito, então o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em todos. Portanto, a leitura cristã nos lembra que Cristo é a causa final da criação; Cristo “devolverá o reino ao Pai” (1Cor 15,24).
2ª: Deus cria para comunicar sua bondade. Portanto, a glória de Deus é o próprio Deus que se revela ao homem como majestade, bondade,
santidade, poder misericordioso. A encarnação, ponto máximo da criação, desvela-se como a mostra suprema do divino amor comunicativo; Deus cria para comunicar seu ser às criaturas.
Portanto, a expectativa cristã de um futuro nada tem a ver com soluções finais do tipo “fim” da vida, o fim da história ou fim do mundo, mas antes o início da vida eterna, o início do Reino de Deus e o início “do mundo futuro”. É o novo início de Deus no final desta vida no tempo, da figura deste mundo e desta criação temporal. A esperança cristã espera no fim o começo.
As expectativas do fim começam a ser cristãs quando abrem seus horizontes do futuro a partir da memória da crucificação e ressurreição do Cristo para a glória de Deus que há de vir. A esperança cristã do fim não é o prolongamento das linhas que evoluem das situações passadas e presente da história do mundo.
Para a esperança cristã, Cristo é a promessa, abertura e o verdadeiro início da verdadeira vida em meio a esta vida terrena, a nova criação de todas as coisas perecíveis para a eterna criação. Segundo Moltmann, não é o “fim do mundo” que traz o novo começo de Deus, mas antes o contrário: é o novo começo de Deus que leva este mundo errado ao seu merecido e ansiado fim. Em si o aniquilamento de um mundo não possui nada de criativo.
O verdadeiro “fim do mundo” é apenas o início do “novo mundo de Deus” que está voltado para nós. Nada será destruído, tudo será transformado (cf. Prefácio católico do Dia de Finados). As dores do ocaso deste mundo de Deus são, portanto, algo assim como as dores de parto do novo mundo de Deus (cf. Rm 8,18ss).
A história do mundo possui uma meta e caminha passo a passo e com segurança rumo a esta meta. De acordo com as tradições bíblicas uma tal meta da história universal é o “reino milenar”, onde Cristo com seus há de reinar em paz sobre os povos (cf. Ap 20).
Nova criação não se trata de outra criação que venha a substituir o mundo presente que já se conhece, mas sim de que esta criação que nós conhecemos passa a ser radicalmente diferente. Aquilo que já foi criado é “feito novo”.
Mas o que é que muda? Segundo Moltmann, é, em primeiro lugar, a relação com Deus: o criador, que criou sua obra, vem habitar e repousar em sua habitação. Sua habitação entra no céu e na terra e faz ambos os mundos novos, ou seja, faz deles o templo cósmico de Deus. A glória de Deus habitará então em todas as coisas e iluminará e glorificará todas as criaturas.
Da idéia da habitação cósmica de Deus segue-se, em segundo lugar, a idéia da transformação da criação temporal e mortal numa criação eterna e imortal. O que participa da glória de Deus passa a ser eterno e imortal como o próprio Deus. O que é destruído não é a criação em si, mas apenas sua forma de pecado, sua figura temporal e mortal. O que é glorificado ou, segundo a teologia ortodoxa, “divinizado” é o próprio ser criado.
O grande processo de transformação no final dos tempos é a passagem das contradições para a correspondência e do temporal para o eterno, e de mortal para a imortalidade da vida do mundo futuro. Deus não vem executar o mundo, mas sim para restaurar e corrigir. Nesse sentido, pode-se dizer: no fim – está Deus.
Portanto, uma leitura cristológia da criação nos mostra Cristo como o primogênito de toda a criação. Todas as coisas foram criadas com vistas ao
Messias, porque o Messias redimirá todas as coisas para sua verdade e as reunirá para o reino de Deus e, dessa forma, levará a criação à consumação. Isso significa que Cristo está presente na natureza sacrificada. A vinda, então, de Cristo na glória acontecerá numa transformação de toda a natureza de modo que seja eternamente reconhecível como criação de Deus. Todas as coisas foram criadas pelo Messias e adquirem nele sua consistência.
Nossa missão: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine…; enchei a terra e submetei-a; dominai..” (Gn, 1,26; 28), isto é, a nossa missão consiste no cuidado da criação. Portanto, a interpretação correta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê-lo no sentido de administrador responsável da criação, nossa casa comum, pois, como afirma o Papa Francisco, no fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus (cf. 1Cor 13,12) e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim.


