Conto: dois Tripeiros e um Lisboeta à busca da alma do Porto

(Pe. Aires Gameiro) – Nuno, aventureiro lisboeta, Rui, o letrado e o Zé das festas, tripeiros, encontraram-se em Lisboa numa festa de estudantes. O Nuno mal conhecia o Porto e na festa tornara-se amigo do José e do Rui que se ofereceram para lhe mostrar a sua cidade quando ele lá fosse.

nara-se amigo do José e do Rui que se ofereceram para lhe mostrar a sua cidade quando ele lá fosse. Souberam que o Nuno era de família modesta sem grandes posses, mas doido por conhecer mundo. Passados tempos, o Nuno foi convidado pelo seu grupo musical para se deslocar ao Norte a animar uma festa minhota e telefonou ao Rui que talvez se pudessem encontrar com ele. O autocarro atravessou de Gaia para a cidade do Porto pela ponte D. Luis. O Nuno gostou do panorama da Serra do Pilar à direita, as caves do vinho do Porto à esquerda e o Douro com barcos rabelos com pipas, e, à vista, o grande palácio episcopal, a catedral e estátua de Vímara Peres. Os companheiros apontaram a estação de São Bento, a igreja de Santo António, a Avenida dos Aliados, tudo a correr e o guia a dizer que estavam atrasados e não podiam parar para ver o amigo; tinham de chegar a Barcelos para atuar num espetáculo no Teatro Gil Vicente e na festa de S. João de Deus. À volta, no dia seguinte, já de noite, também nada puderam ver.

Mais tarde, num grupo da Faculdade, Nuno teve a sorte de estar uns dias no Porto a aplicar questionários em escolas secundárias com um professor. Entrou de comboio pela ponte D. Luís. Nos tempos livres desses dias o amigo Rui levou-o a ver alguns locais e monumentos típicos, as igrejas com fachadas de belos azulejos: Carmelitas, Monte do Carmo, Santo Ildefonso dos Congregados, Santa Catarina, a das Almas. Maravilhas típicas do Porto! O tempo não deu para mais.

Nos anos 80 e 90, nos intervalos dos encontros da associação de Fé e Luz no Porto, o amigo Zé, o das festas, levou-o ao Cais da Ribeira, para um almoço típico de tripas, mas o Nuno deu-lhe o desgosto de preferir sardinhas na brasa. Aceitou, porém, ir de barco às adegas do vinho do Porto do outro lado do rio Douro. Por pouco não se embriagou com tantas provas e petiscos. Anos depois a propósito de publicação de alguns livros seus, por uma editora do Porto, Nuno contatou o Rui para lhe mostrar mais coisas da cidade. Este espantou-se de o Zé, em vez de tripas e petiscos, não lhe tivesse mostrado coisas culturais e artísticas. Levou-o à livraria Lello, a mais bonita do mundo, à estátua de Vímara Peres, chefe militar galego do século IX e primeiro conde de Portucale (Porto), já conquistado aos muçulmanos, a ver a Catedral do Porto, as igrejas de São Francisco, Santa Clara e a Torre dos Clérigos.

Da próxima vez o Nuno voltou ao Porto numa excursão e o grupo teve um dia livre, e logo o amigo Zé o desafiou para um passeio de barco/restaurante para admirar as seis pontes do Porto e comer um bom almoço de pratos típicos regados com os melhores vinhos do Douro. Admirou as colunas da ponte pênsil de D. Maria II que serviu de 1843 a 1887 e foi demolida, passou por baixo da ponte de Luís I ou Eiffel, de dois tabuleiros (1886), a de Maria Pia (1877), para comboios, a da Arrábida (1963), S. João (1990), nova e também para comboios, Freixo (1995) a mais movimentada de carros, a do Infante D. Henrique (2003), também para carros. Durante o passeio de barco, o Zé escolheu os pratos mais típicos do Porto: caldo verde, tripas à Porto, bacalhau à Gomes de Sá, (e sardinhas!), francesinha e vinho da zona do Pinhão. À noite, levou-o a um concerto e jantar na Casa da Música com vinho de mesa da Régua. O Nuno ficou bem comido e bebido e contente pela vista espetacular das seis pontes, a única cidade com tantas, dizem, e pela hospitalidade do amigo. Não parava de agradecer.

Nos anos seguintes, o Nuno, já licenciado, teve ocasião de ir ao Porto a encontros e congressos científicos e encontrava-se com os dois amigos. Conheceu melhor a cidade: Campo Alegre, Palácio de Cristal, Biblioteca de Almeida Garrett, Seminário de Vilar, Faculdade de Arquitetura, Ordem dos Médicos, Museu e Parque Serralves, Rua da Boa Vista e da Cedofeita, Mercado Bolhão e Câmara Municipal. O amigo Zé, num dos congressos acompanhou o Nuno no programa social à Régua com almoço e visita à Adega do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, e à Quinta do Castro com provas de vinhos.

Doutra vez, em que a Misericórdia do Porto promoveu o espetáculo da “Cantata Louco por Deus” (S. João de Deus) do compositor Ferreira dos Santos, no Coliseu do Porto, de cerca de 200 vozes, Orquestra PSP de 80 e mais de 3.000 espetadores, o Rui acompanhou-o. Já parecia um espetáculo do espírito do Porto! E no programa social do Congresso Internacional de Médicos católicos, no anfiteatro da Casa de Vilar, foi com ele ao belo concerto musical na igreja da Lapa e ao jantar no restaurante no topo da Casa da Música, à vista das luzes da cidade. Noutras participações do Nuno em encontros na Casa da Cultura da Freguesia de Paranhos o Rui convidou-o a visitar algumas livrarias na rua de Cedofeita e as igrejas de S. Martinho antiga e a moderna, e a igreja da Trindade. No mesmo dia, ainda, foram de comboio de S. Bento, onde admiraram os azulejos, à estação de Campanhã e dali em passeio à majestosa igreja do Bomfim. Ainda quis mostrar o Estádio do Dragão, mas o Nuno por estar já cansado ou por não ser portista agradeceu e disse que preferia ir cedo para o aeroporto Sá Carneiro. Ia a refletir se o rio, pontes e vias seriam o corpo do Porto; e sua alma eram as belas igrejas, sua arte, azuis e sinfonias esplendentes de êxtase etéreo. Viria à Feira do Livro e à festa do S. João batizador do Jordão para “martelar” sobre o assunto à luz do espetáculo piromusical do Douro.