D. Armando Esteves Domingues, Bispo dos Açores: «Vim em Missão»  

(Pe. Rui Ferreira) – D. Armando Esteves Domingues, natural de Oleiros, diocese de Portalegre-Castelo Branco, é o atual bispo de Angra, diocese que celebrou 490 anos da sua fundação, no passado dia 3 de novembro de 2024. Por ocasião da Assembleia dos ANIMAG (Animadores Missionários Ad Gentes), 4 a 7 de novembro, em Ponta Delgada, a Boa Nova esteve à conversa com o bispo dos Açores, que se sente feliz e em missão, apesar de todos os desafios. Falámos também sobre a situação da Igreja em Portugal e no mundo, nesta mudança epocal, em que somos todos convidados a caminhar juntos, como irmãos e irmãs, Peregrinos da Esperança, rumo a Cristo, nossa meta.

D. Armando Esteves Domingues. Foto: Boa Nova

Uma diocese que navega no Atlântico

Boa Nova (BN): D. Armando Esteves Domingues é o bispo de Angra, uma diocese que navega no Atlântico, numa região ultraperiférica da Europa. Como tem sido esta experiência?

D. Armando: Já que falo para a Boa Nova, aproveito para a saudar nestes 100 anos de revista. Para mim, tem sido uma experiência de missão. Estava no Porto como bispo auxiliar, estava bem, estava tranquilo, e, de repente, fazem-me esta proposta. Não foi difícil dizer sim. Disse ao Sr. Núncio: “Se é para ir para os Açores, eu vou”. Portanto, vim em missão, mas consciente que é o meu lugar. 

Passados cinco meses já tinha visitado as ilhas todas, com a desculpa de crismar; e, porque era o ano de preparação para a JMJ de Lisboa, para visitar os jovens. Estes primeiros tempos têm sido um pouco esta aventura do conhecer e do mergulhar naquilo que é a realidade desta diocese.

Cada uma das ilhas tem a sua própria identidade e todas são diferentes. As pessoas, devido à sua geografia e à ilha onde estão, acabam também por ter características diferentes. Portanto, tem sido uma missão, que começa precisamente por conhecer e perceber a realidade de cada ilha. Depois, também na relação com os padres e o presbitério.

BN: Tem sido, então, uma experiência boa…

D. Armando:  Sinto-me feliz, por estar aqui. Tenho consciência das dificuldades e que não consigo em tudo perceber a mentalidade das pessoas, mas faço um grande esforço por me fazer um, por escutar… e devo dizer que sou feliz; é a minha diocese. Sinto que um bispo, quando vai para uma diocese ela passa a ser a sua diocese, a sua família, a sua esposa; e, portanto, é assumi-la. 

BN: É um bispo missionário?

D. Armando:  Sinto-me em missão… todos os dias, especialmente nesta diocese, com a qual eu não sonhava, mas que dou graças a Deus por aqui estar.  

BN: E a diocese é missionária?

D. Armando: Sim, existe muito esta consciência missionária. Os Açores felizmente ainda têm muitos sacerdotes e muitos padres novos. E temos gente que vai em missão. Uma das coisas que eu disse, no primeiro conselho presbiteral, foi que se algum padre me pedir para sair em missão, eu deixá-lo-ia partir. Temos vários padres nos Estados Unidos e no Continente. Qualquer açoriano que saia é um embaixador dos Açores e um missionário dos seus valores e da sua religiosidade. Nos Estados Unidos, no Canadá e nas Bermudas calcula-se que sejam 2 milhões de descendentes de açorianos, que continuam as tradições que tinham aqui. Quando falamos de uma diocese missionária, não falamos sobretudo dos padres, mas de todos os açorianos que têm a imagem do seu Santo Cristo em casa, das festas do Espírito Santo, transversais a todas freguesias; e celebram lá, se calhar, com mais rigor ainda do que celebravam cá, porque preservam religiosamente as suas tradições.

Igreja sinodal missionária

BN: É o responsável pela Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização. Como vê a Igreja em Portugal? O que falta para passarmos de manutenção à missão? O que podemos fazer mais e melhor?

D. Armando: Essa é uma boa questão que envolve o momento atual da Igreja. O Sínodo enquadra-se dentro da profunda certeza de que, mudando a época, como mudou, a Igreja também precisa de mudar.  Como é que nós vamos ouvir-nos uns aos outros, onde quer que estejamos, para conseguirmos ter esta Igreja missionária que leva Deus ao mundo? É um desafio espiritual. É um desafio cultural. E, depois, é um desafio pastoral. Em Portugal e no mundo ocidental, é sobretudo um desafio espiritual e cultural. Nós assistimos dentro da Igreja às mesmas tensões que existem na sociedade, porque, mesmo na Igreja, há partidos. 

Eu gostaria que esta renovação espiritual e cultural fosse também o readquirir da certeza de que a Igreja se for missionária cresce. Pode ser só em qualidade, mas cresce. O homem de hoje é profundamente sedento de espiritualidade. Nós é que ainda não descobrimos o sítio para lá chegar: se é com os meios digitais, com os meios materiais, com o dinheiro, com a oração. Andamos aqui todos um bocado perdidos, mas sabemos que, hoje, o homem busca. Como é que nós vamos conciliar a liberdade com aquilo que deveria ser a atitude missionária de lhe dar Deus de uma forma feliz e alegre, livre e despretensiosa, sem impor? 

Passados cinco meses da sua entrada na diocese, em janeiro de 2023, D. Armando já tinha visitado todas as ilhas, com o pretexto de crismar e de visitar os jovens, na preparação a JMJ de Lisboa Foto: ©Igreja dos Açores

Depois, temos o diálogo cultural que eu ligo muito ao Sínodo. A Igreja é sacramento de unidade, e experimentamos muito a “desunidade”, que dói! Há opiniões diferentes, há partidos diferentes, há grupos diferentes. Hoje, fica-se muito na própria opinião não querendo ouvir a do outro, pronunciando-nos sem ouvir, sem ler e sem conhecer: isto é gravíssimo! A igreja se souber ser sacramento de unidade, em pessoas que sabem estar, escutar o Espírito Santo e seguir juntos, mesmo com estes radicalismos que existem, pode ser uma ajuda estupenda para o mundo atual. O cristianismo deveria ser o sinal visível de que a unidade é possível nas diferenças. Este diálogo cultural e espiritual, para mim, é fundamental; depois, virão as consequências pastorais. 

BN: No processo sinodal, o discernimento em comum a partir da conversação no Espírito teve um papel fundamental. É este o caminho que o Papa propõe para uma Igreja sinodal missionária e misericordiosa?

D. Armando: Há um princípio que me ajuda muito a caminhar livremente: “quando tiveres dúvidas, pergunta à igreja”. Uma coisa tenho a certeza: o Espírito Santo assiste o Papa. Esta unidade com o Papa e com a Igreja, povo de Deus, para mim, é um sinal que jamais se apagará. Os problemas mais “quentes” continuarão quentes; continuaremos a falar, a discutir e a pedir a inspiração de Deus. Alguns ainda não estão maduros, mas já se adiantou tanto! Só o facto de um leigo saber que pode falar sobre “aquilo” e que todos podem ter a sua opinião e expressá-la.

Toda a Igreja se reencontra na sinodalidade, mesmo que haja quem dela não queira falar. Para sermos credíveis perante o mundo, teremos de ir em busca do essencial da nossa vida como cristãos. O Espírito Santo fala neste tempo que ficará para a história futura da Igreja. A mudança que estamos a viver agora era aquilo que se esperava que fosse a reação equilibrada após o Concílio Vaticano II.  Creio que se vão iniciar cada vez mais experiências do que significa ser povo de Deus, concretamente nos órgãos consultivos, se conseguirmos, pouco a pouco, no que diz respeito às coisas de todo o povo Deus, dar-lhes valor vinculativo e deliberativo. Porém, o bispo ficará sempre como o garante da unidade e terá a última palavra.

BN: Na última Assembleia do Sínodo, depois da identidade, veio a questão das relações, na qual se inclui, o exercício da autoridade numa Igreja sinodal. 

D. Armando: O Papa inclui nessa reflexão o próprio papado, porque mexe com todos nós. Para dizer que é com todos: o povo de Deus acorde, os leigos acordem! E os bispos têm de passar por esta afirmação humilde de ouvir, de escutar; e que o outro sinta que é não só escutado com os ouvidos, mas que a sua opinião importa. 

BN: Com consulta de todo o povo de Deus, o processo iniciou-se pelas bases e, agora, com a entrega do Documento Final, voltou às bases. 

D. Armando: O Papa coloca este Documento [Final] nas mãos de todos, porque todos igualmente contribuíram para aquilo. Então, agora é nosso! Isto não existe antes na história da Igreja. Aliás, este Papa é original em tantas coisas. As próprias Cartas Encíclicas escreveu-as para toda a humanidade, não só para os padres ou para o povo de Deus, mas para todos; e pede opinião de todos.

Laudato Si’: «Aqui parece que estamos muito mais perto de Deus»

BN: Reza mais facilmente nos Açores? 

D. Armando: Nunca tinha pensado nisso, mas sabe que… às vezes, quando tenho que preparar um tema, sou capaz de me sentar… ainda ontem estava aqui, aproveitei um bocadinho, e fui até à Lagoa do Fogo.  Sinto aqui uma liberdade, no meio da natureza, que é a liberdade de quando estou em Deus, de quando me sinto espiritualmente feliz, porque, aqui, é muito fácil descobrir a mão de Deus, e é muito fácil descobrir a beleza Deus e como Ele cria todas as coisas com amor. E, perante a natureza, em alguns sítios, eu não sou capaz de dizer palavras. Eu não tenho muitos lugares destes na minha memória. Aqui parece que estamos muito mais perto de Deus! De facto, é fácil colocar Deus no meio que tudo. 

Vista sobre Angra do Heroísmo, ao entardecer, com a Sé Catedral, ao centro. Esta diocese que navega no Atlântico prepara-se para celebrar 500 anos de vida, em 2034. Foto: ©Rui Ferreira

Só que a história dos açorianos está muito ligada aos terramotos, aos vulcões, aos furacões. Por isso, é que muitas das festas assentam precisamente em promessas, relacionadas com estas tragédias, com que os açorianos convivem. Os açorianos sabem que terão tremores de terra e vulcões… não sabem é quando! Portanto, vivemos tranquilos, porque não sabemos quando virão. Mas, muito do que açoriano é, das suas práticas, romeiros, Santo Cristo, devoções quaresmais que os franciscanos trouxeram, entende-se porque este homem açoriano carrega a sua cruz da incerteza, da hora que parte, ou da tragédia que vai viver e, por isso, confia. E, aqui, Deus parece que nos colocou nesta natureza onde nós confiamos loucamente no Seu amor.  

BN: Toda esta beleza reflete-se também nas pessoas que aqui vivem. 

D. Armando: De facto, o Papa fala que nós perdemos o centro. Como também, no documento sobre o coração [Dilexit Nos/Amou-nos], fala que sem coração não há síntese. E nós com tantas teorias – o iluminismo, modernismos e outras coisas mais – quisemos racionalizar e tirar Deus. E, agora, andamos aqui às apalpadelas, à procura deste Deus que é o centro da criação; e, aqui, nos Açores, é mais fácil falar desta ecologia integral, mas também do Criador de todas as coisas; é mais fácil! Fiz a apresentação de um livro usando a Laudato Si’, porque o autor, ateu (que se intitulava ateu), queria perceber se a Igreja se interessava por isto ou não. E, de facto, ficaram espantados, ele e muitos, como é que afinal a Igreja dizia coisas tão bonitas sobre a criação, sobre a natureza, sobre aquilo que eles amam; e encontramos ali um ponto de unidade extraordinário. Ainda hoje sou amigo dele e continuarei sempre amigo dele.