(Pe. Rui Ferreira) – A caminhada para uma Igreja sinodal missionária e misericordiosa continua. A etapa de implementação do Sínodo começou com a entrega do Documento Final às Igrejas locais, onde o processo se iniciou, em 2021. A formação é fundamental para que todos os batizados sejam participantes e corresponsáveis na missão. Neste sentido, entre 30 de outubro e 3 de novembro, realizou-se um curso sobre o discernimento em comum, na Casa da Torre (Soutelo), orientado pelo Pe. José de Pablo, jesuíta, formador do Centro de Espiritualidade de Salamanca e vice-assistente mundial da Comunidade de Vida Cristã (CVX), por Maria Clara Coelho, psicóloga, e pelo Pe. Pedro Cameira, jesuíta, diretor espiritual. A Boa Nova participou e partilha os frutos desta formação prática em sinodalidade.

Logo após os termos sinodal, sinodalidade e sínodo, a palavra discernimento é a mais utilizada no Documento Final (a partir de agora DF) da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Discernimento é empregue 79 vezes, frequentemente acompanhado do adjetivo eclesial (por exemplo: “O discernimento eclesial para a missão” DF 81-86). Este dado ilustra a importância prática do discernimento para a conversão sinodal missionária da Igreja. Juntamente com o discernimento vêm as relações, a escuta, a formação, o diálogo, a conversão, a oração e a conversação no Espírito. Sob a batuta do Espírito Santo, estes são os meios privilegiados para prosseguirmos rumo a uma Igreja sinodal missionária e misericordiosa.
Com esta meta em vista, um grupo de leigos e leigas, consagradas e sacerdotes, reflexo da diversidade eclesial, juntaram-se para aprofundar a prática do discernimento em comum. Após “desfazer a bagagem”, iniciaram-se as dinâmicas para formar grupo, criando laços de amizade e confiança. Depois, em comunidade, fomos avançando através de exercícios práticos, da oração pessoal e comunitária, na prática do discernimento.
Conversação no Espírito
A conversação no Espírito é um instrumento que favorece a escuta e o discernimento “do que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2,7; cf. DF 45). Ao longo do processo sinodal, a sua prática suscitou alegria, espanto e gratidão e foi vivida como um caminho de renovação que transforma as pessoas, os grupos e a Igreja. O DF ensina que a conversação no Espírito é mais do que um simples diálogo, pois entrelaça harmoniosamente pensamento e sentimento gerando um mundo vital partilhado. “Por isso se pode dizer que na conversação está em jogo a conversão” (DF 45).

O discernimento em comum e a conversação no Espírito exigem disponibilidade. É necessário tempo, oração, e esforço para escutar, aprender e permanecer aberto à vontade de Deus, tanto a nível pessoal, como comunitário e eclesial. Para o Pe. José de Pablo, “em primeiro lugar, é necessário cuidar da vida espiritual de cada pessoa. Há um trabalho interior prévio: o desejo de buscar a vontade de Deus, aquilo que Deus quer para nós. Para isso, é preciso viver desde o agradecimento, do exame particular sobre o que cada um vai fazendo e estar aberto à ação de Deus no grupo, de modo que não busque a minha vontade, mas aquilo que o grupo vai escutando na oração e que Deus vai suscitando no coração”.
A conversação no Espírito é um meio privilegiado para escutarmos aquilo que Deus nos quer dizer. O grupo vai escutando o que Deus vai suscitando no coração, através dos sentimentos, da voz de cada pessoa, dos acontecimentos. Para tal, é essencial estar em sintonia espiritual com Deus e com o grupo, para se chegar a uma união de corações e poder dizer: “é por aqui que Deus nos chama”, conta o formador jesuíta.
O DF diz que “conversar no Espírito significa viver a experiência da partilha à luz da fé e da procura do querer de Deus, numa atmosfera evangélica em que o Espírito Santo pode fazer ouvir a sua voz inconfundível” (DF 45). É um método que favorece a escuta da Palavra de Deus e o discernimento da Sua vontade na tomada de decisões para a vida apostólica.
Conversação para a conversão
A sinodalidade não é uma invenção nova, mas uma dimensão constitutiva da Igreja (cf. DF 12). “Um chamamento para caminhar juntos ao estilo de Jesus, onde há uma igualdade radical de todo o ser humano. Onde somos Igreja Povo de Deus, no espírito do Vaticano II. Não é uma invenção nova. É algo que acompanhou a vida da Igreja sempre”, sublinha José de Pablo.
O apelo a uma conversão sinodal missionária tem hoje um novo fulgor. Para José de Pablo, “é uma alegria não isenta de dificuldades, de momentos de dúvida, da necessidade de nos libertarmos de uma maneira de fazer as coisas sempre igual, pois agora há vozes novas, há maneiras novas. É uma Igreja em saída, como diz a Evangelii gaudium. Uma Igreja que quer estar aberta a todos, todos, todos, como diz o Papa Francisco”. É como uma mãe que escuta os seus filhos e que aprende com eles a ser mãe. Estamos no “momento de ser, ao mesmo tempo, pais e filhos, aprendendo juntos o que é viver unidos como uma grande família que é a Igreja”. Para esta conversão, o discernimento através da conversação no Espírito é uma ferramenta preciosa.
De todos para todos: participação, comunhão e missão

Um dos aspetos mais desafiantes neste processo é a unidade que, com o Espírito Santo, é harmonia das diferenças (cf. DF 1). Ela que “fermenta silenciosamente no seio da Santa Igreja de Deus: é profecia de unidade para todo o mundo” (DF 4). A Igreja Povo de Deus é sacramento de unidade (cf. DF 15-20). Esta unidade tem a sua raiz no batismo, “o fundamento da vida cristã, porque introduz todos no maior dom: ser filhos de Deus. Não há nada mais elevado do que esta dignidade, igualmente dada a cada pessoa” (DF 21). Para que cada batizado possa realizar plenamente a sua vocação de discípulo missionário requer-se uma conversão das relações.
O discernimento em comum, em ambiente orante, através da conversação espiritual, da escuta ativa e vulnerável, constrói unidade. Caminharmos, como irmãos e irmãs em Cristo, com as nossas diferenças, abertos aos irmãos e a Deus, procurando a Sua vontade, é sinodalidade. Esse é o apelo que vem do Papa Francisco e que chegou até nós.
Para Francisca Vasconcelos, casada, mãe de três filhos, proveniente de uma Comunidade de Vida Cristã (CVX), “a razão é mesmo essa: é fazer a experiência não só teórica, mas também prática, com exercícios práticos, do discernimento em comum”, como forma de descer à realidade e continuar o caminho sinodal.
Francisca sublinha a riqueza da diversidade: “a Igreja é isso mesmo. É uma enorme riqueza porque tem uma enorme diversidade. Aqui, foram constituídos grupos em que tínhamos, por exemplo, um padre, duas religiosas, duas leigas, em momentos diferentes da sua vida. E essa riqueza não é só de vocações, mas também de culturas… que cada um traz consigo”.
O caminho faz-se caminhando
Como continuar, no dia-a-dia, o que foi vivido nesta formação? Francisca, gestora de profissão, sugere o caminho dos pequenos gestos: “não saímos daqui com uma varinha de condão, mas vislumbram-se frutos. A terra já estava a ser lavrada. Os agricultores estão aqui. Cada um vai de acordo com os dons que tem, com o conhecimento que tem e acredito que isto vá começando a atrair cada vez mais pessoas”.

Maria do Céu Marizane, moçambicana, de Tete, é uma religiosa das Irmãs Missionárias do Precioso Sangue e trabalha em Lisboa. Para a Ir. Maria do Céu, “precisamos deste tipo de formação para podermos melhor interagir e fazermos a caminhada como comunidade, como paróquia, como Igreja. Já se deu o primeiro passo, mas há necessidade de darmos continuidade e dar a conhecer esse tipo de discernimento”. O discernimento primeiro deve ser pessoal para, depois, também se poder fazer um discernimento em grupo.
A Ir. Maria do Céu sublinha a importância da Palavra de Deus neste processo. “Temos de escutar e rezar a Palavra de Deus. A escuta ativa da Palavra de Deus pode conduzir-nos a uma conversão espiritual e abrir-nos o coração para escutarmos o outro. Este diálogo é muito importante para podermos fazer esta caminhada que nos é proposta como Igreja, como sociedade e nas nossas congregações”.
Para a missionária moçambicana, a comunhão e a participação de todos é fulcral para que o processo fique completo. “Teremos de ter essa consciência, que necessitamos de caminhar em conjunto. Para chegarmos longe nesta nossa caminhada espiritual, precisamos de nos unirmos. Se todos somos inspirados pelo Espírito Santo, podemos e devemos participar desta caminhada. Nós precisamos de comunhão, porque se cada um puxa para o seu lado não é possível caminharmos juntos”. Para isso, devemos “envolver os leigos nos ministérios” eclesiais aproveitando a dinâmica dos chamados movimentos apostólicos.


