Enquanto há Sínodo há Esperança

(Pe. Jerónimo Nunes) – Ser cristão é ser missionário! É viver a Alegria do Evangelho que nos impele a sairmos de nós mesmos. A vocação missionária está enraizada no Batismo, sendo comum a todos os cristãos. Esta vocação/missão levou muitos leigos e leigas a partir para anunciar a Boa Nova. É o caso dos Leigos Boa Nova.

Cristão de S. Tomé – Índia. O Evangelho encarna nas diferentes culturas e épocas, produzindo uma beleza sempre nova. Múltiplas expressões, mas uma só fé no DEUS-AMOR. Foto: Agência Fides

Dizem que o Concílio de Trento demorou cem anos para influenciar a prática da Igreja. É muito? Talvez…mas o Concílio Vaticano II terminou há 60 anos e estamos bem longe de o colocar em prática.

Durante o Concílio, eu estudava livros em latim, datados de 1906. A pesquisa das novidades era uma aventura. Valeram-me as Semanas Missionárias promovidas pela Sociedade Missionária, a revista Igreja e Missão, o Movimento por um Mundo Melhor e outras iniciativas renovadoras. O Vaticano II ajudou-me a descobrir a missão de evangelização e o serviço aos pobres.

Quem me ajudou a viver a vida nova do Concílio foi um bispo, D. Quirino Schmitz, que dispunha de 42 padres para 600.000 habitantes, dispersos por 30.000 km2. Os padres eram heróis holandeses e italianos, que entraram pelas matas e foram criando grupos cristãos dando origem a cidades. Quando existiam os municípios [equivalentes aos nossos distritos], as paróquias eram extensas e as capelas eram visitadas uma ou duas vezes por ano. O bispo da nova diocese desejava outro estilo de Igreja, com o povo a ler e proclamar o Evangelho e a formar comunidades, ou seja, o povo a rezar unido e unido na partilha de alegrias e tristezas. Conseguiu trazer alguns padres italianos, e também um trio de jovens sacerdotes portugueses a quem não atribuiu paróquias, mas a “missão itinerante” de transformar as capelas em comunidades cristãs, sem a presença diária do sacerdote. D. Quirino Schmitz arriscou, confiando tamanha responsabilidade a jovens imigrantes. Mas fê-lo com sabedoria, enviando aquele trio de jovens para dioceses onde a novidade transformaria o estilo velho em vida nova.

Natal ortodoxo. A Igreja é uma bela polifonia das diversas culturas e tradições. O Espírito Santo – harmonia em Si Mesmo – faz a unidade na diversidade. Foto: Getty Images

Porém, a maior surpresa de sinodalidade encontrei-a em Moçambique, onde a perseguição dispersou cristãos, nacionalizou casas e igrejas e expulsou missionários. Como a Igreja poderia sobreviver sem padres e sem as estruturas que a geraram? O desafio foi enfrentado em 1977, num grande encontro de bispos, sacerdotes e leigos ativos de todas as dioceses. O resultado designou-se Igreja Ministerial: formação intensiva de leigos. Estes seriam preparados para desempenhar os serviços necessários a uma comunidade viva e resistente aos ataques marxistas. Quando vi uma comunidade desse estilo, perguntei: «Quantos ministérios tendes?» Resposta rápida: 25 (desde a liturgia até serviços aos pobres, passando pela família, paz, ecumenismo, etc.). No dia seguinte, com a mesma pergunta obtive resposta diferente: «Ainda não somos comunidade porque não temos todos os ministérios. Só 5 famílias são católicas. Estamos a trabalhar para ser comunidade.» Eram poucos, mas cheios de zelo apostólico.

Chegados a Angola, no meio de guerras e perseguição, os missionários encontraram o mesmo problema: como recriar a vida cristã? No Cuanza Sul, descobriram que a vida do povo é comunitária: a aldeia tem uma casa redonda, onde se reúnem as pessoas responsáveis, chamada “Ondjango”. Os problemas da comunidade são conversados, refletidos e decididos em comum. O chefe da aldeia não pode decidir individualmente sobre as questões da comunidade. Se os pagãos aplicam este modelo, porque não os cristãos? O “Ondjango”, a casa redonda, foi adotado como sistema de funcionamento nas aldeias, nas paróquias e na diocese, mas com uma nuance: os ministérios não são individuais, mas desempenhados em casal.

O MÉTODO SINODAL

Antes da abertura dos trabalhos do Sínodo, viveram-se momentos de intensa oração ecuménica e de invocação do Espírito Santo, o protagonista de todo o processo sinodal. Foto: synod.va

Talvez não seja um método. É mais um estilo de vida. Não se trata de aplicar técnicas, mas de dar oportunidade ao trabalho do Espírito Santo, a alma da Igreja, a fonte da vida para cada cristão, para as comunidades e para todo o Povo de Deus. Diz o Papa Francisco que o fundamental para o cristão é a adoração a Deus e o serviço aos outros. Portanto, o método sinodal exige oração, silêncio, escuta, discernimento, tomada de decisões oportunas para a vida de hoje.

Antes da abertura oficial da 1ª Sessão do Sínodo dos Bispos (4 de outubro de 2023), Roma teve três dias de retiro, de oração e silêncio, onde participaram diferentes igrejas. Se o Espírito Santo é invocado e acolhido, o Sínodo pode produzir fruto.

Durante a 1ª Sessão do Sínodo, a mesa redonda funcionou como proposta de trabalho para a atualidade. Os cinco módulos temáticos, foram abordados em três etapas sucessivas:

  • uma primeira “ronda”, em que cada elemento devia permanecer em silêncio, para escutar a pessoa que estava no uso da palavra;
  • como ressonância, seguia-se o debate, onde cada um partilhava os entendimentos feitos;
  • por fim, elaborava-se uma lista, dividida em quatro partes onde se abordaram assuntos em que todos concordaram, sobre os quais não houve acordo, que deviam ser aprofundados e propostas concretas a ser aplicadas

UM MÉTODO RICO E RECOMENDÁVEL

O objetivo da aplicação deste método é identificar os caminhos a percorrer e os instrumentos a adotar nos diversos contextos e nas diferentes circunstâncias, de modo a valorizar a originalidade de cada batizado e de cada Igreja na missão. Não se trata de nos limitarmos a melhorias técnicas ou processuais que tornem mais eficientes as estruturas da Igreja, mas de trabalhar sobre as formas concretas do empenho missionário a que somos chamados, no dinamismo entre unidade e diversidade, próprio de uma Igreja sinodal.

Na 1.a Sessão do Sínodo, a mesa redonda funcionou como proposta de trabalho para a atualidade. Foto: synod.va

«Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação. Uma reforma animada pelo impulso em direção à missão que Cristo nos confiou, sustentada pela conversão pastoral que o Espírito nos convida a realizar e torna possível» (Papa Francisco, EG 27).

Para Santo Agostinho, sacramentum [o sacramento] é um “sinal sagrado” que traduz uma realidade. Viver harmoniosamente, juntos como um só, reconhecendo e celebrando a diversidade dos dons como sacramenta caritatis [sacramentos da caridade], era o que Agostinho desejava para as suas comunidades monásticas, apresentava ao povo de Hipona nas suas pregações e realizava nas suas experiências ministeriais.

Por seu lado, S. Francisco de Assis afirmava, no seu testamento, que ninguém o orientara sobre o que fazer, mas o próprio Altíssimo lhe revelou que devia viver segundo a forma do santo Evangelho. Esta mesma busca, porém, nasceu de um encontro com um leproso, a quem Francisco se sentiu inspirado a abraçar e beijar. Sabemos, pelos relatos de acontecimentos biográficos, que esta inspiração e consciência para seguir o Evangelho amadureceu através escuta da Palavra na Eucaristia.

«Igreja sinodal é a forma de ser Igreja no mundo atual, com este estilo de escuta, de discernimento conjunto, de caminho conjunto. Os documentos “não são suficientes” e é preciso promover o “estilo da fraternidade em Cristo, todos juntos, como batizados”» (Nathalie Bequart).

DISCERNIMENTO ESPIRITUAL EM CONJUNTO

O discernimento comunitário comporta a existência de uma comunidade em caminho espiritual para “sentir com a Igreja”. O cristianismo não existe senão numa comunidade que se nutre da Palavra, sobretudo do Evangelho, através da leitura assídua, orante, contemplativa, incarnada, não somente exegética. Nutre-se na Eucaristia, na procura por fazer a vontade do Pai e no anúncio do Evangelho. Esta comunidade estendida até aos confins do mundo, abraça toda a humanidade e toda a história. A comunhão eclesial, com a sua diversidade e com as suas diversas expressões abraça também aqueles que não são crentes, porque em todos reside a semente da verdade.

Together! Todos juntos a caminho, na diversidade de dons, carismas e ministérios, tendo como guia o Espírito Santo, à luz da Palavra de Deus. Foto: synod.va

A comunidade que discerne em comum deve criar condições de escuta, de reciprocidade, de respeito pela diversidade, de saber ler os sinais dos tempos. Quem se une e entra no processo deve também sentir-se interpelado a esta mudança pessoal, para poder aderir ao caminho da comunidade. É a conversão.

O objetivo deste processo é fazer uma “Lectio Divina” da realidade, do vivido. Não termina ao encontrar a vontade de Deus. É preciso manifestar, dizer «também eu quero. “Faça-se em mim segundo a tua vontade”» (Lc 1, 38). Não é fácil lá chegar, mas há caminhos: humildade, gratuidade, maior liberdade interior, mais compaixão pelos pobres.

O discernimento é uma resposta ao agir de Deus em cada tempo. O caminho sinodal quer renovar a vivência radical desta comunhão de Deus com o mundo e do mundo com Deus: «Tudo o que o Senhor disse, nós faremos» (Ex 19, 8); «os meus irmãos são aqueles que procuram a vontade de Deus e a cumprem» (Mt 12, 46-50).