Jorge Wemans – Nos 50 anos do 25 de Abril, é relevante dar a conhecer o Padre Alberto Neto que, através da educação para a liberdade, radicada no Evangelho, ajudou ao crescimento integral de muitos jovens.

Não é fácil escrever sobre o que o Padre Alberto representou para toda uma geração de jovens que a partir dos anos sessenta do século passado ele viria a marcar profundamente. Viveu connosco com a sua inteligência de pedagogo atento ao crescimento e desenvolvimento de cada pessoa. Marcou-nos enquanto homem livre, chamando-nos a trabalhar pela libertação. Abriu-nos portas de esperança e horizontes de compromisso porque em nós (e na vida) confiava sem limites. E convocou-nos sempre à alegria, porque “o cristão não aceita becos sem saída”. Formou muitos dos que anteciparam e participaram no 25 de Abril

Todas estas facetas – e são apenas algumas das que nos tocaram – emergiam da sua fé em Jesus Cristo ressuscitado e nela ganhavam densidade e dela se alimentavam. Antes de aprofundar os seus estudos e reflexão de roda da pedagogia, o Padre Alberto já a bebia dos Evangelhos, do modo como estes mostravam o caminho progressivo que Jesus fez com os seus amigos e no crescente apurar da sua consciência de “filho do homem”. Partir das circunstâncias e da vida de cada um para fazer caminho com ele era a forma mais perfeita de afirmar a relação de respeito que o Padre Alberto criava com cada um de nós.
Mas era um respeito exigente. Aceitava ir ao encontro de cada um, mas não deixava de o interrogar sobre o que se passava a seu lado, sobre o que pensar e fazer quanto às questões mais prementes daquele tempo: a pobreza; a guerra; a repressão e a falta de liberdades. Nos movimentos de Ação Católica, nas aulas de Religião e Moral e na comunidade da Capela do Rato apurou este sentido pedagógico, dando a primazia ao trabalho e à reflexão em grupo. Num tempo em que muitos padres ainda entendiam a formação das consciências como um processo de “direção espiritual” individualizada (não será que ainda hoje assim o pensam?), o Padre Alberto valorizava a evangelização pelos iguais, a reflexão em pequeno grupo sobre a realidade envolvente confrontada com a Palavra. O balbuciar de cada um era para ele muito mais importante do que qualquer sermão ou homilia bem estruturada.
Não que ele não tivesse o dom da palavra. Pelo contrário, este era um dom que lhe sobrava! Tal como a sua veia poética e capacidade de pôr uma assembleia a cantar em uníssono. A coragem das homilias em que denunciava a repressão, a guerra colonial e as injustiças dentro e fora da Igreja era tão mais forte quanto a voz com que o fazia era intrépida e vibrante. Contudo, a sua arte principal não era a do púlpito, mas sim a da relação com as pessoas, a sua enorme capacidade de juntar pessoas e fazer caminho com elas. No início deste texto referi os jovens que acompanhou e despertou para viverem uma fé comprometida com a libertação do país das “peias que o dominavam”. Mas também junto de gente mais velha, o Padre Alberto alertou consciências, procurou criar grupos de reflexão sobre a fé, de partilha de vida e de ação para superar situações de opressão e injustiça, sem esconder as causas destas.
Na verdade, podemos dizer que ele era um educador com urgências. Sabia que as pessoas só crescem se lhes forem dadas oportunidades de conhecerem o que ainda não viram. E havia naquele tempo anterior ao 25 de Abril de 1974 muita opressão e muita repressão para que não se visse, para que as pessoas fechassem os olhos perante a miséria em que vivia 90 por cento do povo português, para que aceitassem justificações insanas para o prolongamento da guerra colonial, para que não se rebelassem contra a ausência das liberdades mais fundamentais. Sobre tudo isto nos perguntava o Padre Alberto. Não com soluções ou propostas de ação. Essas tínhamos nós que as descobrir e pôr de pé.
Porque uma outra das virtudes do Padre Alberto de que guardo mais funda recordação é a confiança com que ele encarava a vida, o modo como confiava nas pessoas, a forma como se entregava confiante às tarefas e desafios que fazia seus. Creio que esta confiança espontânea no interlocutor que mal acabara de conhecer explica boa parte da aceitação de que sempre gozou junto dos jovens.
Tinha uma capacidade única de desafiar cada um, cada uma, para pensar, fazer, responsabilizar-se pelas coisas mais inesperadas. Eram sempre desafios para os quais não nos sentíamos preparados, mas depois vínhamos a perceber que eram os mais justos para nós, para cada um de nós. A sua liberdade era um contágio de esperança e confiança.

Recordo ainda a sua espantosa capacidade de não aceitar situações fechadas, fatalidades imutáveis, becos sem saída. Aos altos muros que naqueles anos de ditadura e guerra nos rodeavam, de forma sufocante e por todos os lados, o Padre Alberto era o primeiro a nomeá-los com a coragem que poucos tinham… e depois indicava-nos como iniciar caminhos por onde os furar. Competia-nos construir esses caminhos de superação com as nossas próprias mãos, mas quem mostrava que era possível ultrapassar os muros da nossa vergonha pessoal, política, social e comunitária era ele. Nisso, graças ao Padre Alberto, muitos da minha geração vislumbraram o que será o olhar misericordioso e libertador de Deus sobre o homem, a mulher e o mundo.
Creio que a primeira vez que vi o Padre Alberto Neto terá sido por ocasião das operações de socorro organizadas para acudir às vítimas das cheias de novembro de 1967 a partir da equipa de sacerdotes que viviam numa casa da R. Martens Ferrão (não muito longe do Marquês de Pombal, em Lisboa). Desde essa data até ao seu assassínio em 1987 nunca mais o perdi de vista. Para meu bem e de toda a minha família!


