(Pe. Jerónimo Nunes) – A Revista Boa Nova entrevistou o bispo emérito da Guarda, D. Manuel Felício, para conhecer melhor a sua corajosa aventura missionária, aos 77 anos de idade, partido para a Diocese de Sumbe, na Angola.

D. Manuel da Rocha Felício nasceu, em 1947, em Mamouros, Castro Daire, Diocese de Viseu. Após ter sido ordenado padre (1973), foi pároco em Mangualde e vice-reitor do Seminário de Viseu. Foi ainda diretor do Instituto Superior de Teologia das dioceses de Viseu, Guarda e Lamego, e bispo auxiliar de Lisboa (2003-2004), antes de se tornar bispo da Guarda durante 20 anos (2005-2025). Agora, como bispo emérito, decidiu partir para Angola, onde irá trabalhar na Diocese do Sumbe e morar com os Missionários da Boa Nova, na Gabela. Terá como principal missão restaurar um centro de formação espiritual na Kilenda, sempre à disposição do Bispo do Sumbe.
Boa Nova (BN): Mangualde é um bom lugar para preparar padres para a missão?
D. Manuel Felício (DMF): Essa terra distinguiu-se sempre por um grande dinamismo de desenvolvimento social e económico, com variadíssimas iniciativas. Por isso, também me desafiou, desde a primeira hora, para a criatividade pastoral. Obrigou-me, desde o início, ao diálogo muito exigente com o mundo da cultura e empresarial, na vida escolar e de relação com as diferentes atividades, certamente, mas também na comunicação social (dirigi, durante sensivelmente uma década, um jornal semanário regional) e no debate público.
BN: Ajudou a reformar os seminários e o ensino da Teologia. É necessário continuar essa reforma?
DMF: É verdade que o meu Bispo me mandou estudar teologia, sendo ainda seminarista, fora do Seminário Diocesano, para ajudar na renovação do ensino da teologia no Seminário. E foi o que logo tentámos fazer, com o empenho conjunto, inicialmente de duas dioceses, depois de três e finalmente de quatro, que passaram a partilhar responsabilidades e proveitos com o mesmo Instituto Superior de Teologia filiado na Faculdade de Teologia da Universidade Católica. Depois, veio o Seminário Maior Interdiocesano promovido pelas mesmas quatro dioceses e sediado na proximidade de um dos centros regionais da Universidade Católica. O futuro exigirá certamente novas mudanças. A inovação não pode parar. Temos que a saber gerir sempre na dupla fidelidade às exigências da formação sacerdotal em si mesma e ao que legitimamente esperam as comunidades.

BN: Vinte anos numa Diocese em processo de desertificação. Foi complicado! Que esperanças para a região da Guarda?
DMF: Foram, de facto, 20 anos, completados em 16 de janeiro passado, como Bispo da Guarda. Quando lá cheguei, as estatísticas diziam que a Diocese tinha 260 mil habitantes. Dez anos depois, este número desceu para 240 mil e ao partir, segundo as minhas contas, de acordo com os censos de 2021, a diocese da Guarda tem 225 mil habitantes. Esta curva descendente tem de fazer pensar, mas sobretudo de obrigar a atuar, o que não tem acontecido nas últimas décadas. Faltam políticas corajosas que levem a inverter esta tendência.
Potencialidades não faltam. O número dos votos não pode continuar a ser o critério de investimento para os responsáveis políticos, como infelizmente tem acontecido. Parto com a esperança de que a vontade política dos que nos governam dê, de facto, outro rumo a estas terras, que têm invejável percurso de vida e muito para oferecer ao conjunto da sociedade.
BN: D. João de Oliveira Matos foi o grande evangelizador da Guarda, nos tempos da perseguição. Quer continuar?
DMF: Estou de acordo com a afirmação de que o Venerável Servo de Deus D. João de Oliveira Matos, Bispo Auxiliar durante quatro décadas, soube fazer o diagnóstico acertado da nossa realidade pastoral, apontou grandes metas, nomeadamente a formação cristã para todos e procurou os meios humanos e materiais necessários para lá chegar, entre os quais se destaca a Liga dos Servos de Jesus, que, no ano passado, comemorou o seu centenário. A Diocese, no seu todo, mas principalmente os seus pastores precisam de continuar o modelo de evangelização que nos legou o Sr. D. João.
BN: Formar animadores missionários em Angola. Que belo projeto. O que o motiva?
DMF: Penso que temos, todos, sempre, muito a aprender para procurarmos ser fiéis aos valores específicos das diferentes culturas, que o Evangelho, longe de anular ou substituir, quer valorizar e iluminar, começando pela sua vertente humana e humanizante. No ano passado, tive o alto privilégio de representar a nossa Conferência Episcopal, em Fátima, numa semana de acolhimento e inserção para evangelizadores provenientes de várias nações e culturas. Foi muito enriquecedor. Espero beneficiar, em Angola, de contributos similares.
BN: Quer tornar mais missionária a Diocese da Guarda? E a Liga dos Servos de Jesus?
DMF: A decisão que tomei e apresentei ao novo Bispo da Guarda, D. José Miguel Pereira, que é também, por inerência, o Superior da Liga dos Servos de Jesus, recebeu bom acolhimento e tenho agora mandato para, em nome da Diocese e da referida Liga, contando com a ajuda indispensável dos Missionários da Boa Nova instalados no local, procurar reativar um Centro de Espiritualidade ligado à Missão D. João de Oliveira Matos inaugurada no ano de 2012, na Diocese de Sumbe. De facto, esta Missão foi criada por iniciativa da Liga dos Servos de Jesus, com a minha total concordância e claro apoio, tendo ali investido, em termos materiais, importâncias que rondam um milhão de euros. Aproveito para dizer, em abono da verdade, que tal iniciativa se deveu, em grande medida, ao apoio dos Missionários da Boa Nova. A pandemia obrigou-nos a fechar o Centro de Espiritualidade, ficando a sua logística à espera de oportunidade para a reabertura. A Escola continuou a funcionar, com estatuto de Escola Católica tutelada pelo respetivo departamento diocesano da Diocese local e com reconhecida qualidade. O Centro de Espiritualidade pretende voltar a promover a formação cristã aberta a todos e principalmente a formação de ministérios, acrescentando ainda iniciativas de retiros e outros momentos de oração. Espero que seja possível, com a colaboração das estruturas pastorais locais e, em particular, com o empenho dos Missionários da Boa Nova, reabrir este serviço. Esta será uma boa maneira de dar cumprimento ao carisma que nos legou o Venerável Servo de Deus D. João de Oliveira Matos, que dá o nome à Missão ali criada pela Liga dos Servos de Jesus.
Quanto ao dinamismo missionário da Diocese da Guarda, começo por dizer que ele tem um bom lastro na sua história, pois são muitos os missionários e missionárias de diferentes congregações religiosas espalhados pelo mundo e naturais desta Diocese. Se esta iniciativa puder contribuir, por exemplo, para uma futura geminação pastoral entre as duas Dioceses da Guarda e de Sumbe, darei muitas graças a Deus.