Pe. José Guedes – A sinodalidade não é uma novidade, mas o modo de ser Igreja, desde as origens: povo de Deus que caminha junto, movido pelo Espírito Santo, rumo à pátria celeste. O que a Igreja sente hoje a necessidade de aprofundar é há muito vivido, de múltiplas e variadas formas, pelos discípulos missionários de Cristo espalhados pelo mundo. É o caso da experiência sinodal de comunhão, participação e missão vivida pelo Pe. José Guedes na Zâmbia.
A 4 de outubro de 1981, fui apresentado pelo bispo Dennis De Jong à paróquia de Lubengele. Em meados de dezembro, ainda mal conhecendo a paróquia, um grupo de Stella (meninas dos 10 aos 13 anos) veio dizer-me que queriam ter uma festa de Natal. Claro que podiam ter a festa, mas era preciso preparar-se para tudo correr bem. E para surpresa minha, responderam que já tinham tudo preparado; só precisavam de ajuda em algumas pequenas coisas. E convidaram-me para a festa. E descobri então que mesmo as crianças eram capazes de se organizar e preparar um evento. Esta impressão foi sendo reforçada, quando vi o grupo dos acólitos, constituído por rapazes dos 12 aos 18 anos, fazer o mesmo. Assim fui aprendendo a ter confiança na capacidade das pessoas. Desde os mais novos aos mais velhos, todos mostravam vontade de participar, cooperar e assumir responsabilidades. Foram eles quem me ajudou a compreender que a minha principal tarefa era facilitar, encorajar e tornar possível essa participação e compromisso. Hoje chamaríamos a isso sinodalidade, que nos leva a reconhecer e a afirmar que todos nós somos a Igreja. Todos somos chamados a uma participação empenhada e comprometida, contribuindo para uma comunhão cada vez mais perfeita com Cristo.
A vivência da sinodalidade tornou-se possível devido às pequenas comunidades cristãs, que se tornaram uma realidade nas dioceses e paróquias da Zâmbia. Quando cheguei à diocese de Ndola, fiquei hospedado na casa paroquial da catedral, onde residia o bispo. No primeiro domingo, depois do almoço, ele convidou-me a acompanhá-lo a uma comunidade cristã (chamada Icitente em Bemba). Tendo como ponto de partida um texto das Escrituras, os membros da comunidade foram intervindo e partilhando aquilo que o Espírito lhes sugeria, e aplicando a Palavra escutada à vida da Igreja, da comunidade e da realidade social e política em que todos estavam envolvidos. No final, depois da bênção do bispo, vieram as cabaças de munkoyo (bebida grossa, não alcoólica feita da farinha de milho), oferecendo a cada um, a começar pelo bispo, uma caneca do dito munkoyo. Também eu recebi a minha, e lá a bebi, sendo este o meu primeiro esforço de inculturação.
Uma vez em Lubengele, dei-me conta de que toda a organização da paróquia e toda a pastoral giravam à volta das comunidades cristãs, que tinham a palavra de Deus como centro aglutinador. Reuniam-se uma vez por semana, partilhando a palavra e refletindo sobre a realidade circundante a partir dessa palavra. Todas as comunidades tinham os seus responsáveis (o executivo ou a mesa da comunidade), eleitos por dois anos, escolhendo também um delegado ao Conselho Paroquial. Parte importante das atividades da comunidade era acolher as visitas, visitar os doentes e ajudar nos funerais.
O Conselho Paroquial, constituído pelos delegados das comunidades (em Lubengele, eram 27) e por alguns representantes escolhidos pelas associações e movimentos, reune-se mensalmente, presidido pelo Chairman (Presidente da Mesa do Conselho Paroquial) e com a presença do pároco. Além dos relatórios das comunidades, há a apresentação de contas pelo tesoureiro, a partilha de experiências, a discussão das iniciativas pastorais e de problemas decorrentes da administração da paróquia. As diversas comissões, tais como liturgia, catequese, juventude, desenvolvimento, formação, mulheres, apresentam também os seus relatórios. Por sua vez, a mesa do Conselho Paroquial reune-se semanalmente às sextas-feiras. Nem sempre é fácil coordenar tudo harmoniosamente; por vezes, há divergências e até conflitos.
Havendo um grande número de igrejas protestantes, principalmente as presbiterianas (calvinistas), elas exercem alguma influência nos católicos que fazem comparação com elas, principalmente na maneira como são governadas. Assim, em Lubengele, um presidente da Mesa do Conselho Paroquial julgava-se a autoridade máxima na paróquia, por ter sido eleito, enquanto o pároco era simplesmente um empregado do Conselho, esquecendo que a Igreja Católica tem um sistema de governo hierárquico. Ao falarmos de sinodalidade, há sempre o perigo de tentarmos moldar a Igreja à maneira dos grupos e associações deste mundo que são governados por regras e leis estabelecidas pelos seus membros. Na Igreja, como Senhor, Cristo é a cabeça que coordena e une todos os seus membros num só corpo, dando a cada um os seus dons para o benefício de todos (ver 1 Cor 12,7.28).
Com D. Dennis De Jong, homem simples e próximo, verdadeiro servo do povo, a diocese de Ndola realizou o seu Sínodo, entre 1993 e 2000, com a participação e envolvimento das comunidades cristãs das várias paróquias. O Sínodo levou à criação da comissão Justiça e Paz a nível diocesano e paroquial. A realização do Sínodo diocesano ajudou a viver o espírito sinodal nas comunidades cristãs, nos movimentos e associações, nas paróquias e na diocese.
“Ao falarmos de sinodalidade, há sempre o perigo de tentarmos moldar a Igreja à maneira dos grupos e associações deste mundo que são governados por regras e leis estabelecidas pelos seus membros. Na Igreja, como Senhor, Cristo é a cabeça que coordena e une todos os seus membros num só corpo, dando a cada um os seus dons para o benefício de todos.”
As comunidades cristãs escolhem à vez os leitores para a liturgia dominical e organizam o ofertório em géneros. Os ministros da comunhão, que também presidem à celebração da Palavra na ausência do pároco, são eleitos por toda a assembleia dominical de entre os candidatos apresentados pelas comunidades. Sendo as mulheres a maioria dos que vão à igreja, as comunidades facilitam a sua participação ativa, dando-lhes a oportunidade de se manifestarem e intervirem. Nas paróquias, há várias comissões, tais como a liturgia, catequese, juventude, mulheres, famílias, cáritas e formação contínua. Nessas comissões, os membros dão o melhor de si mesmos, empenhando-se e comprometendo-se, sabendo que eles são a Igreja. Ser cristão implica uma caminhada feita em comunhão com os outros discípulos de Jesus Cristo, que é o Caminho, a verdade e a vida. Sem dúvida que há o perigo de sinodalidade e sinodal se tornarem palavras na moda, sendo interpretadas como uma nova maneira de ser Igreja descoberta agora nestes últimos tempos que nos são dados viver. Se isso acontece, é porque a Igreja se tornou demasiado clerical, mas nem sempre foi assim. Ao longo da história, os grandes problemas que a Igreja teve de enfrentar levaram sempre à reunião em assembleia para os discutir e encontrar soluções possíveis, sempre em referência à vontade do Senhor. A sinodalidade implica a participação e o compromisso de todos, pois todos se sentem responsáveis. Isso não significa que todos possam fazer tudo ou decidir sobre tudo. Há carismas, ministérios e tarefas diferentes, levados a cabo por gente diferente. E sinodalidade não significa o poder da maioria, mas o reconhecimento de que os diversos ministérios na Igreja não devem ser estruturas de poder, mas de serviço. A Igreja é de Cristo. Ele é a cabeça da Igreja. Por isso, a Igreja só pode existir em união com Cristo e na fidelidade a Cristo.