(Susana Queiroga, socióloga, responsável pela Pastoral da Saúde e pelo Voluntariado no Instituto S. João de Deus) – O Instituto S. João de Deus desempenha, desde 1977, um papel fundamental no cuidado a pessoas vulneráveis, com uma missão profundamente enraizada nos valores da hospitalidade, respeito, responsabilidade, qualidade e espiritualidade. Atua no âmbito da Saúde Mental, Cuidados Continuados e Cuidados Paliativos, a nível nacional.

A fragilidade, nas dimensões daqueles que a experimentam na primeira pessoa ou enquanto cuidadores, está subjacente nalgumas das celebrações do Ano Santo de 2025. O Jubileu do Mundo do Voluntariado (8-9 de março), dos Enfermos e do Mundo da Saúde (5-6 de abril) e das Pessoas com Deficiência (28-29) são um persistente convite do Papa Francisco a olharmos atentamente para áreas marginalizadas pela sociedade, procurando suscitar a abertura, aceitação e acolhimento de uma condição intrínseca do ser humano nas diversas fases da vida, assim como a prestar atenção na ação de quantos cuidam do outro com autêntico espírito de serviço e de missão. “Missionários na Fragilidade” procura dar a conhecer a realidade de quem recebe e de quem dá cuidado, deixando emergir as ações, silenciosas e quase invisíveis para a maioria, mais eloquentes que as palavras.
O Instituto S. João de Deus, inspirado no fundador da Ordem Hospitaleira, S. João de Deus (século XVI), o santo português de Montemor-o-Novo, tem como sua principal missão a prestação de cuidados de saúde e apoio social humanizados, de acordo com a doutrina social da Igreja, com excelência técnica e rigor científico, dando particular atenção aos mais desprotegidos e contando com colaboradores especializados e comprometidos. Significa isto, que a aposta do Instituto S. João de Deus se centra nos cuidados integrais, em ambiente multidisciplinar, especialmente dedicado às pessoas que se encontram em situações de maior vulnerabilidade, como as pessoas com doença mental, os idosos, pessoas com deficiência ou outras que estejam em risco social.

Criado para gerir os centros assistenciais da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, o Instituto S. João de Deus procurou sempre responder às necessidades que se apresentam em cada momento e em conformidade com as práticas que a atualização científica convoca. Neste sentido, não se limita apenas aos cuidados e atendimento físico, mas abrange também o apoio emocional, psicológico e espiritual, o que torna a sua atuação um exemplo de pastoral da saúde. O valor da Hospitalidade, também dom da Igreja, que é partilhado pelos religiosos, Irmãos de S. João de Deus, e pelos colaboradores (considerando neste grupo não só assalariados, mas também voluntários e benfeitores), encontra na pastoral da saúde um dos principais aspetos diferenciadores. Neste contexto, na sua atuação assistencial, assume a importância da dimensão espiritual do ser humano no desenrolar da sua circunstância e necessidade de saúde. Esta dimensão é atendida sob a perspetiva holística (ou integral) dos cuidados de saúde, ou seja, é uma visão total da pessoa assistida, abrangendo todas as suas dimensões, para além dos sintomas que a sua doença manifesta. É, no fundo, o reconhecimento de que os seres humanos têm mais necessidades do que aquelas que a sua condição de saúde ou social apresenta. Para além dos tradicionais aspetos bio-psico-sociais, são considerados também aspetos culturais, religiosos, espirituais, ambientais. Neste sentido, a obtenção da cura, ou de um estado de bem-estar (ou, em boa verdade, o que a pessoa pretenda alcançar), dependerá de múltiplas ações desenvolvidas por diferentes áreas dos cuidados. Para o Instituto S. João de Deus, o cuidado não se limita apenas ao tratamento das doenças físicas, mas também ao cuidado da dimensão espiritual e emocional dos utentes, reconhecendo que a cura é um processo multidimensional. Este é, e reforço, o que nos diferencia dos outros prestadores de cuidados.
Evolução da missão hospitaleira
O Instituto S. João de Deus marcou inicialmente a sua atividade no âmbito da saúde mental, contando com seis centros especializados em Sintra, Braga (dois), Funchal, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada. Apesar desta especialização, o Hospital de Montemor e, nos anos 90, a Residência S. João de Ávila, focaram a sua atenção nos cuidados de medicina física e reabilitação e geriatria, respetivamente, tendo já no século XXI evoluído como resposta no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados e Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Esta evolução levou à abertura de novos equipamentos nas localidades da Gelfa, de Melgaço e de Carnaxide. Esta última foi recentemente inaugurada, em setembro de 2023. Para além das estruturas e equipamentos próprios, o Instituto S. João de Deus tem, desde 2018, uma equipa de apoio psicossocial e espiritual a pessoas com doença avançada ou em fim de vida, a operar no terreno, atuando em três hospitais de Lisboa, em equipas domiciliárias e em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas, com o financiamento da Fundação bancária La Caixa. Esta equipa teve, no ano 2024, mais de um milhar de atendimentos realizados.
No âmbito da saúde mental também se verificam novas tendências dos cuidados: as estruturas de saúde mental fazem uma aposta em residências na comunidade, em equipas de apoio domiciliário em saúde mental, designadamente o projeto Cuidando (em Barcelos, Telhal, Funchal e Angra), ou o projeto de apoio domiciliário na área das demências, o Home-360, este último contando, também, com o apoio desenvolvido por voluntários, intitulado Razões de Sobra, uma resposta que funciona no concelho de Oeiras. Para além destas novas respostas, o Instituto S. João de Deus continua os seus programas de reabilitação psicossocial, sendo estes programas bastante importantes no apoio à inserção no mercado de trabalho de pessoas com patologias do foro psiquiátrico, ou no seu desenvolvimento artístico, quando existe essa aptidão. Nestas áreas fomos e continuamos a ser pioneiros em Portugal.
Chegados a 2025, podemos dizer que, atualmente, acompanhamos em regime de internamento 4300 pessoas e, na comunidade, esse número ultrapassa já as 2000. Contabilizamos ainda 5840 consultas de especialidade e mais de 74 mil sessões de medicina física e reabilitação. Para desenvolver esta missão, o Instituto S. João de Deus conta com 46 Irmãos religiosos da Ordem Hospitaleira, 1280 colaboradores, 116 voluntários e mais de 8 mil benfeitores.

Com efeito, o contexto global atual é marcado pelo envelhecimento da população e pelos desafios económicos e sociais. Este aspeto faz com que as condições associadas à idade avançada sejam uma área muito necessária e com elevada procura. Também os cuidados no âmbito da doença mental têm sido desafiantes e focados na manutenção de unidades de longo internamento (de apoio moderado, de apoio máximo e de superior complexidade), de unidades especializadas (dependências, psicogeriatria e sub-agudos) e de unidades ligadas à reabilitação psicossocial.
Consideramos, portanto, que a missão tem evoluído consistentemente, sem perder o ímpeto inicial personificado na figura de S. João de Deus, na cidade de Granada do século XVI. Arriscamos a considerar que, ao longo da sua história, tanto a Ordem Hospitaleira como, hoje em dia, o Instituto S. João de Deus, responderam e respondem aos diferentes desafios que cada tempo coloca.
Voluntariado Hospitaleiro como desencadeador de esperança
O voluntariado hospitaleiro é um eixo fundamental da ação do Instituto S. João de Deus, incidindo em tarefas complementares, com pessoas que dedicam o seu tempo e suas habilidades para acompanhar os utentes em diferentes contextos, seja na saúde, seja em atividades de reintegração social ou em momentos de lazer e convivência. Os voluntários, por mais simples que seja o seu projeto, têm um profundo impacto na vida daqueles que o Instituto S. João de Deus serve. Oferecem não só o tempo e o esforço, mas também espírito de compaixão, misericórdia e altruísmo, num mundo que parece movido pelo individualismo e pela indiferença.
Todos os dias os voluntários entram nos nossos centros assistenciais, onde os utentes esperam por um toque de bondade, demonstram que o valor do trabalho transcende qualquer medida de horas ou tarefas. Oferecem mais do que as suas mãos e presença: oferecem o coração, o espírito e a dedicação, tornando visível a misericórdia e a hospitalidade do coração de Deus e mostrando como o mundo pode ser mais justo, mais amoroso e mais compassivo. E que melhor desencadeador de esperança poderíamos encontrar?
Depois do período de pandemia, cujos anos evidenciaram uma retração no número de projetos de voluntariado desenvolvidos (em 2021 foram realizados apenas 18 projetos), o número de voluntários tem mostrado um crescimento. No ano de 2024, foram desenvolvidos 127 projetos de voluntariado, o dobro do ano de 2023, no qual foram concretizados 63. Estes projetos somam um total de 14.099 horas de voluntariado e representam, em termos de valor económico, mais de 94 mil euros.
Porém, o âmbito da saúde mental, tal como os cuidados paliativos, são âmbitos ou áreas de voluntariado para as quais é difícil encontrar e atrair voluntários, dado que ainda é muito presente o estigma da saúde mental, no caso da primeira área, e o tema do fim de vida também não é particularmente atrativo. Apesar disso, a tendência de aumento do número de projetos de voluntariado é particularmente animadora e acalenta boas perspetivas para o futuro.
O restante do 1º Plano pode ser lido na edição impressa da Revista Boa Nova de abril 2025. Faça já a sua assinatura.