Jubileu 2025: Peregrinos de Esperança

(Irmã Ângela de Fátima Coelho e Irmã Ana Felício/Aliança de Santa Maria) – «A quantos lerem esta carta que a esperança lhes encha o coração». Assim inicia o Papa Francisco a Bula de Proclamação do Jubileu de 2025, Spes non confudit. Este Ano Santo será ocasião para o Povo de Deus encontrar-se e encontrar o outro, certo que nesse peregrinar o rosto amoroso de Cristo será o mais garantido prémio. Para melhor apreciar o perfil e conteúdo do próximo Ano Jubilar, apresentamos o contributo das Irmãs Ângela Coelho e Ana Felício, da Aliança de Santa Maria.

Abertura da Porta Santa em 8 de dezembro de 2015, que deu início ao Jubileu da Misericórdia. O Jubileu de 2025 teve início a 24 de dezembro de 2024, na Basílica de S. Pedro, em Roma. Foto: ©VaticanMedia

1 de janeiro de 1300. É noite e ouve-se um crescente tumulto nas ruas de Roma. Uma multidão de crentes, convencidos da iminência do fim do mundo, acorre à Basílica de São Pedro em busca de perdão. Enchem a Praça de São Pedro e são homens e mulheres animados pela esperança, que vêm pedir ao Papa uma indulgência plenária. O início de um novo século gera sempre expetativas, medos, esperanças e sobretudo vontade de mudança. Nasce o desejo de começar de novo, uma vida renovada, purificada. O Papa Bonifácio VIII responde ao pedido dos romanos, proclamando o primeiro jubileu da história do cristianismo.

A história do Jubileu é, portanto, antiga. Desde as suas origens, o Ano Santo faz emergir um pedido que o povo cristão dirige ao seu Pastor. Não se trata de uma intuição dos Papas ou dos teólogos, mas da fé do Povo de Deus. É um evento do Povo de Deus, que vê nele o sinal tangível de um momento de graça especial. Esta é a marca característica do Ano Jubilar: um tempo especial de graça, como disse Jesus na sinagoga de Nazaré, um “ano da graça do Senhor” (Lc 4,19).

No livro do Levítico encontramos as primeiras referências a esta efeméride: depois de quarenta e nove anos, “no dia do grande Perdão, fareis ressoar o som da trombeta através de toda a vossa terra. Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam. Este ano será para vós um Jubileu” (Lv 25,9-10). O início do jubileu judaico era marcado pelo “som da trombeta”, um chifre de carneiro, em hebraico yobel, do qual deriva o nome cristão Jubileu. No ano jubilar, os escravos eram libertados, as terras confiscadas eram restituídas, as dívidas perdoadas, de modo que as desigualdades eram atenuadas. Era uma espécie de perdão geral, uma amnistia, com o qual se permitia que todos voltassem à situação originária.

Leitura da Bula de Proclamação do Jubileu de 2025, no dia 9 de maio de 2024. Foto: ©VaticanMedia

O Jubileu ou Ano Santo de 2025 será o 27.º jubileu ordinário da história da Igreja. Desde 1300 até hoje, as suas características principais permanecem praticamente inalteradas.

O Jubileu caracteriza-se, antes de mais, pela indulgência. É o seu sinal permanente, desde Bonifácio VIII. Na Bula de Proclamação do Jubileu de 1300, Antiquorum Habet, o Papa Bonifácio VIII, para responder ao povo romano que insistentemente pedia o perdão dos pecados, concedia “uma indulgência de todos os pecados, não só plena e mais abundante, mas pleníssima”. Plena, mais abundante, pleníssima: três adjetivos em crescendo, que intencionalmente realçam a excecionalidade da indulgência jubilar! Era algo de totalmente novo e único, um evento sem precedentes.

O Jubileu de 2025

O que há de novo no Ano Santo de 2025? Qual a sua marca específica? O que significa falar de indulgência hoje?

“A quantos lerem esta carta que a esperança lhes encha o coração”. É com estas palavras que o Papa Francisco inicia a Bula de Proclamação do Jubileu de 2025, Spes non confudit. Que a esperança encha o nosso coração, eis o desejo para o Ano Santo que se aproxima. A esperança é a marca própria do Ano Santo de 2025, como bem o evidencia o lema escolhido: “Peregrinos de esperança”.

Que esperança é esta? Por que razão o Papa Francisco escolheu precisamente a esperança como marca própria do Ano Santo de 2025? O Papa Francisco tem vindo a apelar constantemente para que termine o flagelo da guerra que se vive em diversas partes do mundo. Recentemente, num momento de oração pela paz na Terra Santa, relembrou “aqueles palestinianos e israelitas de boa vontade que, entre lágrimas e sofrimentos, não deixam de aguardar, na esperança, a chegada de um novo dia” (07.06.2024). É possível manter acesa a chama da esperança num mundo que sofre o infortúnio da guerra, tantas formas de injustiça, o drama da pobreza, diversas ofensas à dignidade humana?

Logótipo do Jubileu 2025 – Peregrinos de Esperança. Foto: ©iubilaeum2025.va

Na Bula Spes non confudit, o Papa Francisco afirma que, “no coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã” (nº 1). Esperar é próprio de quem aguarda algo de bom do futuro. A beleza da virtude da esperança é que contém em si a intuição de uma promessa. Ainda que o futuro seja incerto, há uma promessa de bem, uma centelha de luz que ilumina a vida. Mas nas situações onde as trevas parecem impor-se, de onde vem esta pequenina luz?

Parece quase impossível falar de esperança sem aquele toque de amargura e angústia que brota do nosso íntimo cada vez que dizemos “esperemos”, ou “vamos lá ver”. Diante da consciência do mal, podemos sentirmo-nos como o profeta Ezequiel, quando se encontra diante de um vale cheio de ossos completamente ressequidos e a esperança desvanecida (cf. Ez 37, 11). Aí, dá-se este diálogo entre Deus e o profeta: “o Senhor disse-me: «Filho de homem, estes ossos poderão voltar à vida?» Eu respondi: «Senhor Deus, só Tu o sabes»” (Ez 37, 3). Ezequiel reconhece que não tem respostas, não tem forma de mudar aquela situação que, de facto, parece irremediável. Mas a sua – e nossa – esperança é esta: que um Outro nos faça reviver. Ezequiel sabe que esperança não vem de si próprio, “não é uma obstinação de que nos queremos convencer, mas sim um dom que vem diretamente de Deus” (Papa Francisco, Audiência Geral, 8.5.2024), por isso se chama “virtude teologal”.

“Nós que procuramos refúgio n’Ele, encontramos grande estímulo agarrando-nos à esperança proposta. Nessa esperança, temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso precursor” (Heb 6, 18-20). O símbolo da âncora foi sempre utilizado pela iconografia cristã para designar a esperança. A âncora segura e mantém o barco firme, mesmo no meio de um mar tempestuoso. Não elimina as tempestades, mas estabelece um ponto firme, que não cede. A esperança é uma “âncora segura e firme” porque lançada não na terra, mas no céu; não no tempo, mas na eternidade. Ela “penetra até ao interior do véu”, o véu do Templo de Jerusalém, que, para os hebreus, era o lugar onde Deus habitava no meio do seu povo. A esperança introduz-nos na morada de Deus. Dá à nossa vida, pobre e, por vezes, ressequida, uma perspetiva infinita e eterna.

Peregrinos de esperança

Voltemos ao lema escolhido pelo Papa Francisco: “Peregrinos de esperança”. Um primeiro elemento que se evidencia é precisamente o da peregrinação, paradigma da existência humana, daquele que sabe que não tem aqui morada permanente (cf. Heb 13, 14). Estamos a caminho, todos nós, sempre e onde quer que estejamos, e o que faz de nós peregrinos e não errantes é saber que temos uma meta. Aquele que tem uma meta sabe para onde vai, sabe qual o rumo a seguir. Por isso somos peregrinos de esperança! Sem a esperança não daríamos um só passo: “não faria nem sequer um passo aquele que não espera poder chegar à meta”, afirmava Santo Agostinho (Discurso 359/A, 4).

A abertura da Porta Santa, na Basílica de S. Pedro, em Roma, a 24 de dezembro de 2024, marcou o início das celebrações do Jubileu de 2025. Foto: ©Dnalor, Wikimedia Commons

Mas que meta? No caminho da nossa vida, esta é “a meta: o encontro com o Senhor Jesus” (Spes non confudit, 5). O desejo do Santo Padre é que este Jubileu “possa ser, para todos, um momento de encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus” (Spes non confudit, 1). De facto, Ele é a “nossa esperança” (1 Tm 1, 1).

“Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que fez a promessa é fiel” (Heb 10,23). Eis a fonte da nossa esperança: “Aquele que fez a promessa é fiel”. Do Antigo ao Novo Testamento aparece como refrão que Deus é fiel às suas promessas e nunca abandona aqueles que nele confiam. Por isso, a esperança está tão relacionada com as outras duas virtudes teologais, a fé e a caridade. A certeza da fé confia-nos ao amor de Deus, que nunca se contradiz nem desmente a promessa feita: “a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).

A esperança cristã, portanto, não consiste num otimismo ingénuo, de quem está certo que “tudo vai correr bem”. A esperança cristã não é um desejo ou um sentimento, nem uma ideia abstrata ou filosófica. A esperança cristã tem um nome e um rosto: Cristo Jesus. 

Pode parecer estranho que a palavra “esperança” esteja ausente na pregação de Jesus. Nos evangelhos, Jesus fala várias vezes sobre a fé e a caridade, mas não sobre a esperança, apesar de anunciar a ressurreição e a vida eterna. Não se trata tanto de palavras, mas da sua própria pessoa. Ele veio trazer esperança à humanidade! Na sua Páscoa, Jesus mostra que, na história – na história universal e na nossa história pessoal –, é Deus quem tem a última palavra. Sabemos que a experiência do limite, do pecado e do sofrimento não conhece confins temporais nem geográficos. O bem e o mal estão presentes na vida de cada homem e de cada mulher e combatem entre eles. Mas quem tem fé tem a certeza de que não estão ao mesmo nível. O bem vence sempre o mal. O mal está presente, mas Cristo venceu-o e vence-o a cada dia, na força da sua Ressurreição, de uma forma misteriosa e invisível, mas verdadeira e real. É a grande promessa de Jesus antes de partir para o Pai: “No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: Eu já venci o mundo!” (Jo 16,33).

Então, porque podemos ter esperança? Sabemos que não teremos um “tapete vermelho” debaixo dos pés, que nos preserve das dificuldades. Sabemos que experimentaremos a dor, o luto, a desilusão. Sabemos que teremos de atravessar vales tenebrosos, mas, em tudo isto, sabemos que Ele está connosco (cf. Sl 23,4). É a sua promessa, a ecoar em todo o tempo e espaço: “Sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28,20).

“Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a esperança!” (Spes non confudit, 1).

Indulgência, sinal de esperança

“O próximo Jubileu há de ser um Ano Santo caraterizado pela esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus” (Spes non confudit, 25). Que nos anime a “não cair na tentação de nos considerarmos subjugados pelo mal e pela violência”, mas a “prestar atenção a tanto bem que existe no mundo” (Spes non confudit, 7). De facto, “os sinais dos tempos (…) pedem para ser transformados em sinais de esperança” (idem).

Um dos sinais de esperança que o Ano Jubilar nos oferece é precisamente a possibilidade da indulgência. “O pecado, como sabemos por experiência pessoal, «deixa a sua marca», traz consigo consequências: não só exteriores, como consequências do mal cometido, mas também interiores” (Spes non confudit, 23). Sabemos, sem dúvida, que no sacramento da Reconciliação, Deus perdoa efetivamente os pecados, que são apagados, esquecidos, eliminados. Não são, portanto, os pecados que ficam, mas os seus “resíduos”, a consequência negativa que estes deixam nos nossos comportamentos e pensamentos.

Estas consequências verificam-se, em primeiro lugar, em nós próprios: torna-se mais difícil dizer que não ao pecado no futuro, o mal continua a tentar-nos, continuamos a fazer o mal que não queremos e a cair sempre nos mesmos pecados. Qualquer um de nós pode admitir que não basta uma confissão para acabar com o pecado. Por outro lado, há consequências nas relações com os outros, que ficam muitas vezes feridas: mesmo após o perdão, pode ser difícil voltar a confiar em alguém que nos traiu, por exemplo. 

Pela carta de 11 de fevereiro de 2022, o Papa Francisco confiou a preparação do Ano Jubilar de 2025, sob o lema “Peregrinos de Esperança”, ao Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, o Arcebispo D. Rino Fisichella. Nela determinou ainda que o ano de 2024 fosse dedicado «a uma grande “sinfonia” de oração». Foto: ©iubilaeum2025.va

“A misericórdia de Deus, porém, é mais forte também do que isso” (Misericordiae Vultus, 22). É aqui que entra a indulgência. A indulgência é a misericórdia de Deus que atinge o homem pecador e liberta-o plenamente de qualquer resíduo das consequências do pecado. É a plenitude do perdão levado até às últimas consequências. É devolver a brancura original da veste do batismo, voltar àquele estado de graça.

A indulgência é uma graça que Deus nos dá, mas não é um rito mágico. A Igreja pede-nos que cumpramos alguns requisitos, precisamente porque não é algo automático, mas algo que exige que façamos a nossa parte, há uma parte de esforço, como numa fisioterapia pós-operatória. Exige que nos abramos a esta graça de Deus, que nos quer curar profundamente, através de alguns “exercícios” espirituais: sacramento da comunhão e reconciliação (união com Cristo), oração pelas intenções do Papa (união com a Igreja) e fazendo uma peregrinação ou cumprindo obras de misericórdia e penitência (cf. Normas da Penitenciaria Apostólica sobre a concessão da indulgência durante o Jubileu ordinário do ano 2025, 13.5.2024).

Que grande sinal de esperança nos é dado pela Santa Igreja! Saber que a misericórdia de Deus pode tocar aquilo onde eu não chego, pode chegar às profundezas do nosso coração e curar aquilo que parece incurável. Só a graça do Senhor Jesus o pode fazer. Ele é, de facto, “a nossa indulgência”, como afirmava São Paulo VI (cf. Spes non confudit, 23). Só Ele nos pode curar, através da sua Igreja, sacramento universal de salvação.

Que o Jubileu de 2025 seja, verdadeiramente, uma “intensa experiência de graça e de esperança” (Spes non confudit, 6). Preparemo-nos intensificando a vida espiritual, como pediu o Santo Padre, dedicando este Ano de 2024 à oração. É o Espírito Santo que reza em nós e fortalece a nossa fé para descobrirmos os milagres quotidianos da esperança, a força da presença de Deus que permite avançar na vida. Vivamos este tempo de preparação com a Virgem Santa Maria, Mãe de toda a esperança, aquela que foi inabalável na fé, firme e fiel ao sim da primeira hora, mesmo na hora escura do Calvário e, portanto, nos convida a, como Ela, “esperar contra toda a esperança” (Rm 4,18). Ela, a mais afetuosa das mães, nunca abandona os seus filhos (cf. Spes non confudit, 24), é a estrela que brilha nas dificuldades da vida. Ela intercede por nós, para que “transbordemos de esperança, pela força do Espírito Santo” (cf. Rm 15, 13).

Publicado na edição impressa de julho de 2024.