
(Eva Dias) – O dia 15 de agosto de 2024 fica para a posteridade como marco histórico do jubileu centenário da revista Boa Nova – Atualidade missionária, outrora O Missionário Católico. Editada de forma ininterrupta, esta publicação periódica atravessou períodos marcantes da história institucional, nacional e mundial, verificando-se apenas pontuais atrasos que fizeram adiar por breve instante o encontro da publicação com os assinantes e leitores assíduos. Este caráter ininterrupto alicerçou-se na dedicação, empenho e doação plenos à causa da Missão, mas sobretudo na fé inabalável de algumas figuras notáveis que idealizaram, cumpriram e nutriram esta publicação, mesmo quando ventos adversos agitaram as águas onde foi navegando, até à atualidade.
Seguindo os desígnios divinos que se foram manifestando desde que assumira as funções de Procurador-Geral das Missões Religiosas dos Padres Seculares Portugueses e Superior dos Colégios das Missões de Tomar e Cucujães, D. Teotónio Vieira de Castro (1859-1940), bispo de Meliapor, outrora vice-reitor do Seminário Maior do Porto, surge como figura cimeira desta galeria enquanto ‘arquiteto’ de O Missionário Católico. Pela carta datada de 14 de agosto de 1923, publicada na edição inaugural, não só estabelecia o objetivo primordial da publicação, como definia, em traços gerais, o programa do boletim, através do elenco de conteúdos (MC, Ano I, N.º 1, Ago. 1924, p.9). O lançamento do primeiro número pelo seu jubileu episcopal (15 de agosto) deixa transparecer a profunda estima que a direção do boletim e os demais elementos que integravam os colégios de Tomar e Cucujães sentiam pelo Superior.
Para cumprimento do desiderato, outra figura se revelou de suma importância, enquanto impulsionador: P. José Vicente do Sacramento (1868-1933). Formado com os Padres Seculares Portugueses no Real Colégio de Cernache do Bonjardim, largos anos missionário em Moçambique e África do Sul, a experiência como jornalista e, mais tarde, proprietário do jornal O Africano (1908-1919), primeiro jornal de Moçambique para a população autóctone, editado em português e ronga, deu-lhe a experiência e o capital necessário, através da lotaria difundida no periódico, para assegurar «machinismos, ferramental [sic], e material de impressão necessarios, provendo in loco a uma instalação typographica por forma a poder em pouco tempo ser uma fonte de receita para aquela instituição» (MC, Ano I, n.º 2, Set. 1924, p.3; BN, Ano XCIX, n.º 1117, Abr. 2023, p.28).
A obra tornou-se efetiva com a primeira direção de O Missionário Católico, constituída pelo P. António Sampaio Pinho, diretor, o P. Jaime Afonso Boavida, secretário da redação, e o P. António Pedro Ramalhosa, editor e administrador. Do trio fundante, são omissas as informações relativas ao primeiro diretor, quiçá colhido por D. Teotónio entre o clero diocesano do Porto. À semelhança do diretor, com uma breve passagem pela publicação (1924-1927), o P. António Pedro Ramalhosa detinha uma considerável experiência editorial. Formado no Real Colégio de Cernache do Bonjardim dos Padres Seculares Portugueses, o P. António Pedro viveu a experiência da missão em Moçambique, para onde partiu em 1899. Foi redator do jornal O Zephyro, fundado no final de junho de 1898. Entre 1914-1915 foi editor do periódico A Boa Nova, boletim mensal dos arciprestados da Sertã, Oleiros e Proença-a-Nova. Foi ainda editor literário e administrador do semanário Voz da Beira, publicado entre 1914-1917. O seu conhecimento e experiência foram certamente prestimosos para que os incipientes passos desta nova publicação periódica fossem trilhados de forma consistente.
Destacou-se o P. Jaime Afonso Boavida (1880-1948), ativo como redator principal durante quase duas décadas, até 1942. Partilhando da mesma formação e filiação institucional do P. António Pedro Ramalhosa, foi missionário em Angola, para onde partiu em 1904. Era irmão do P. António José Boavida (1838-1910), superior no referido colégio no período de 1885-1910 e diretor dos Annaes das Missões Portuguezas, publicado entre 1889-1891 no mesmo local. Não causa, portanto, espanto que O Missionário Católico surja como uma espécie de continuidade deste boletim, tendo ainda colhido influências dos Annaes das Missões Portuguezas Ultramarinas, boletim editado entre 1867-1872 e de A Missão Portuguêsa, publicado desde 1856, ambas as publicações editadas pelos Padres Seculares no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim. No exercício de funções teve o privilégio de noticiar os momentos significativos, desde 1926, que desembocaram na instituição canónica da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas (SPMCU), em outubro de 1932. A capacidade de se adaptar à mudança refletiu-se nas alterações gráficas e de conteúdo que foram paulatinamente introduzidas em O Missionário Católico, muito por influência dos sacerdotes do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras de Milão (PIME) que se encontravam em Cucujães para formar e orientar os membros da Sociedade Missionária. Entre as principais alterações, tornaram-se quase nulas as crónicas dos Padres Seculares Portugueses; surgiram várias reflexões críticas e de consciencialização para a problemática missionária; a publicação de notícias de outras partes do globo, fornecidas por outras revistas e pela Agência Fides; o início da publicação de romances missionários em formato de folhetim, a partir de 1933. Com a chegada dos primeiros missionários da SPMCU a Moçambique, retomaram-se, a partir de 1937, as crónicas dos missionários e das missões, como os relatos feitos pelo P. João Craveiro Viegas, P. Adriano Garcês, P. Celso Pinto de França, P. Alexandre Valente de Matos, entre tantos outros. Em 1940 surge uma secção muito apreciada pelos leitores, a “Rádio-Missões – Cucujães”, redigida pelo P. Luís Gonçalves Monteiro sob o pseudónimo de Frei Luís de Santo Tirso.
No ano do 30.º aniversário da publicação (1954), com a chegada do P. Alfredo Alves (1914-1992) como editor, inicia-se a 2.ª série de O Missionário Católico, que passa a “Revista Popular Missionária”. Foram introduzidas alterações no formato, mais pequeno (13×19 cm), assemelhando-a a outras publicações missionárias, e no grafismo, tornando-a visualmente mais apelativa. Ainda que a passagem deste brilhante professor de Teologia e Filosofia e Diretor Geral dos Estudos da Sociedade Missionária, à época, tenha sido breve (cerca de um ano), a nova imagem, a diversidade dos conteúdos, como as reportagens e as notícias missionárias do mundo, tornaram-se uma constante e tiveram continuidade nos anos seguintes.
A partir de 1956, o cargo de diretor, ausente da ficha técnica desde a saída do P. António Sampaio Pinho, em outubro de 1927, volta a surgir, ocupado pelo P. Carlos Martins Soares. A equipa completava-se com o recém-ordenado P. Francisco Gonçalves dos Santos (29.06.1956), redator, que viria a ascender à direção em janeiro de 1968. Pelo contacto com as revistas italianas, quando estudou em Roma, impressas em rotogravura, em 1959 promoveu a modernização gráfica de O Missionário Católico pela adoção desta tecnologia. No ano seguinte, a publicação iniciou a 3.ª série, tomando o título de Missionário Católico – Revista de Informação Missionária e Ultramarina e assumindo um formato maior, que viria a aumentar em janeiro de 1968 (23,5×31 cm).
Em termos de conteúdo, os leitores começaram a tomar contacto com uma nova realidade, geradora de um invulgar entusiasmo, de modo particular entre os mais jovens, potenciada pelo fenómeno das Academias e Círculos Missionários criadas nos seminários da Sociedade Missionária e nos diocesanos, que viriam a desencadear os Cursos Missionários de Férias, promovidos pela Sociedade Missionária em colaboração com a União Missionária do Clero, transformando-se, a partir de 1960, nas Semanas de Estudos Missionários, amplamente divulgadas e acompanhadas ao longo das páginas da revista. A própria publicação promovia iniciativas que apelavam à participação dos seminaristas, dentro ou fora da Sociedade Missionária, através dos concursos missionários, com prémios associados.
Por trás deste imenso dinamismo missionário entre os jovens estava outra figura eminente da publicação e do serviço de animação missionária: o P. Domingos Marques Vaz (1915-2007). Conhecido por ser a memória viva da Sociedade Missionária, trabalhador pontual, metódico, organizado, atento aos pormenores, portador de enorme delicadeza, desde cedo foi colocado pelo P. Mário Parodi (1897-1981), sacerdote do PIME, no setor da imprensa missionária como redator. Ao longo de várias décadas, imprimiu o seu zelo apostólico e caráter prático à revista. A expressão doutrinal da publicação fora mudando, sobretudo ao longo da década de 50, fruto da tomada de consciência da importância dos países de missão, mormente africanos, do seu papel na Igreja e no mundo, acentuando-se no período durante e após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Com este último, a teologia e a pastoral missionária foram repensadas, assim como o papel da Igreja e dos leigos na contemporaneidade. Os vários documentos emanados do encontro ecuménico foram amplamente referenciados pela revista, cujo espírito eclesial e universalista consolida-se, traduzido nas reportagens, entrevistas e notícias, relevando a sensibilidade aos problemas da Igreja e da Missão.

É durante a direção do P. Francisco Gonçalves dos Santos (janeiro a outubro de 1968) que colaboram outras duas figuras de suma importância na história desta revista missionária: o P. Artur de Matos Bastos (1941-) e o P. Januário Aniceto dos Santos (1932-2024), então redatores. O primeiro, dinâmico e criativo, é no Missionário Católico que inicia a sua carreira jornalística. Em abril e junho de 1968, sugeriu, através do “Correio dos Leitores” a mudança do título da revista para Boa Nova ou Mundo Novo, títulos mais universais e menos clericais, que refletissem o tempo novo que a Igreja experienciava. Porém, essa pretensão não colheu entusiasmo imediato. O seu percurso jornalístico é interrompido em novembro de 1969 com a chamada para lecionar no Seminário de Cernache do Bonjardim, sendo retomado em 1975, depois de recuperar do grave acidente de automóvel que lhe provocou a amputação de parte dos dedos da mão direita.
O P. Januário dos Santos iniciara a sua colaboração informal na publicação desde o tempo de jovem seminarista, brindando os leitores com uma delicada obra poética, onde transparecia a profunda devoção pela Virgem Maria, os patronos das Missões, a exaltação do ideal missionário. A colaboração no jornal interno dos alunos de Teologia, Marçagão, foi-lhe aperfeiçoando a experiência na escrita. Já sacerdote, os romances publicados em formato de folhetim, que assinava com o pseudónimo de José Baldaia, as reflexões críticas em torno de temas prementes, ou a página de variedades, traduziam a sua inteligência, humor refinado, a forma séria e comprometida como viveu a sua vocação sacerdotal e missionária, que refletia a figura destacada do serviço de animação missionária, da imprensa missionária e da Editorial Missões, que desempenhou durante várias décadas.
A este grupo junta-se, em novembro de 1968, o P. Agostinho Rodrigues (1931-1991), que assume a função de diretor. Em janeiro de 1969 introduzia uma linha de rumo de caráter mais abrangente, colocando a revista ao serviço do povo de Deus, acompanhando os problemas do mundo, de modo particular nos territórios de missão, como a pobreza, a fome, a guerra, os anseios pela paz, entre outros. Procura que a universalidade se transforme numa marca ainda mais visível, que a missão surja como verdadeiro anúncio de Cristo ressuscitado, ‘descolada’ da influência do poder político, geradora de desconforto e desconfiança, cativante para os jovens, procurando responder às suas esperanças e anseios e apelando à sua generosidade (MC, ano XLV, n.º 1, 1969, p.2). Sob a sua direção veio a mudança do título da publicação para Boa Nova – Actualidade missionária, em janeiro de 1970, ligeiramente modificado com a adoção do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, já no século XXI. O processo de impressão offset e a rotogravura, coadjuvados por um bom paginador, tornaram o grafismo atrativo e bastante apreciado pelos leitores. Em termos de conteúdos, optou-se por fixar algumas secções, como “Mundo e Missão”, “Actualidade Missionária”, “Horizonte”, “Olá Juventude” e “Bazar”. As reportagens especiais, atuais e pertinentes, elaboradas com profundidade, traziam aos leitores alguns dos temas ‘quentes’ à época, como a situação da Igreja no território moçambicano, a sua renovação no Brasil, a atenção concedida pelo Papa Paulo VI aos países africanos, ou mesmo a paz.
Outra novidade foi a associação de outros institutos missionários: num primeiro momento, as Franciscanas Missionárias de Maria e a Congregação do Verbo Divino, juntamente com as Missionárias da Boa Nova; mais tarde, em 1974, os Irmãos de S. João de Deus e os Salesianos. A sua colaboração regular foi sempre muito apreciada e emprestou às páginas da Boa Nova um colorido diverso sobre a experiência da missão, tantas vezes expressa no feminino.
A equipa volta a trabalhar em conjunto a partir de 1975, quando o P. Artur assume o lugar de Chefe de redação, frequentando em simultâneo o curso de jornalismo, que terminaria em 1977. Nos anos seguintes, assiste-se ao revezar dos elementos, nos períodos em que cada um partiu em missão: até dezembro de 1981, o P. Artur de Matos Bastos mantém-se como Chefe de redação, assumindo a direção da revista entre janeiro de 1982 e dezembro de 1987, enquanto o P. Agostinho Rodrigues encontrava-se em Angola, voltando este último a assumir a direção em janeiro de 1988, estando de partida para Angola o P. Artur, onde permaneceu até 1994. A função de Chefe de redação foi assumida por outra figura de realce, numa fase mais tardia: o P. Armando Soares (1943-2023).
A morte do P. Agostinho Rodrigues, em fevereiro de 1991, causou profunda consternação. Apagava-se ainda jovem o rosto que durante mais de duas décadas imprimiu à revista Boa Nova o dinamismo, a juventude e o marcado sentido universal que a caracterizava. Com ele viveram-se momentos marcantes, que ecoaram nas páginas da revista: o alargamento dos campos de missão para o Brasil e Angola, a revolução em Portugal, a independência de Angola e Moçambique, as guerras civis nestes dois países, a experiência do martírio entre os sacerdotes e irmãos da Sociedade Missionária. As próprias celebrações jubilares, da revista e da Sociedade Missionária, extravasaram do conteúdo e animaram sobremaneira as capas.
Substituiu-o o P. Armando Soares, até setembro desse ano, acumulando com a direção a função de Chefe de redação, das quais abdicou entretanto. O P. Januário dos Santos assumiu a direção até fevereiro de 1995, sendo chamado para ocupar o lugar de Chefe de redação o P. Manuel de Matos Bastos (1943-2013), regressado da missão no Brasil. Foi Chefe de redação até janeiro de 1999, chegando a trabalhar com o irmão, P. Artur Bastos, que voltou a assumir a direção da revista em março de 1995. A sua linguagem agradável, clara e convincente, própria de um exímio comunicador, ficou plasmada ao longo dos vários números da publicação. A criação dos Leigos Boa Nova, fundados sob sua orientação, trouxe à revista Boa Nova o vigor e entusiasmo da juventude que se dedicava generosamente à Missão, em relatos cativantes que prendiam a atenção do leitor. O mesmo se verificava com a colaboração de sacerdotes diocesanos que se associaram ao ideal missionário da Boa Nova na década de 90.
De fevereiro de 1999 até dezembro de 2023, a direção da revista foi assegurada pelo P. Artur de Matos Bastos, que acumulou, mais tarde, com a coordenação da redação, ficando o P. Armando Soares como diretor-adjunto, sendo substituído, em janeiro de 2023, pelo P. Rui Ferreira, atual diretor. A viragem do século trouxe novos desafios para a revista. A ascensão do mundo digital, assim como o decréscimo do número de assinantes, fizeram a direção equacionar alternativas, entre elas disponibilizar conteúdos da revista Boa Nova online, através de um site, ativo entre outubro de 2002 e junho de 2005. A proposta foi retomada anos mais tarde, sendo essa presença visível na atualidade. A presença no mundo digital verificou-se ainda na rede social Facebook, desde julho de 2017, dinamizada pelo P. Armando Soares até 2021.
Ambas as soluções, a solicitar dinamização contínua, estão atualmente em estudo, tal como outras, para que a revista Boa Nova – Atualidade missionária se ajuste à realidade global, sem perder de vista o propósito de servir o povo de Deus, ser uma voz atenta e ativa com os mais desprotegidos e desfavorecidos, priorizando o anúncio de Cristo e aqueles que o promovem nos mais diversos quadrantes, respaldada no honroso trabalho de quantos a sonharam e construíram.


