[MEMORIAL]: Repercussões do processo de independência de Angola na Boa Nova

Capa da edição dedicada a Angola, a três meses da independência. Boa Nova, agosto-setembro de 1975.

(Eva Dias) – Angola foi o primeiro território africano sob domínio português a iniciar a luta armada pela independência, em 1961, e o último a conquistá-la, em 11 de novembro de 1975. O processo de descolonização teve repercussão nas páginas da revista Boa Nova, refletindo o envolvimento dos missionários da Sociedade Missionária Portuguesa, presentes no país desde 1970.

Em maio de 1974, os bispos angolanos publicaram uma nota pastoral saudando a Junta de Salvação Nacional portuguesa e apelando ao fim da guerra colonial, pedindo diálogo entre os grupos em conflito (BN, jul.-ago., pp.56-57). Em junho, através da carta “Momento Cristão de Angola”, o episcopado delineou quatro eixos fundamentais do ponto de situação do país: o papel da Igreja na conjuntura política, a construção e garantia da paz, e o merecimento da liberdade. A Igreja felicitava o reconhecimento do direito do povo angolano de escolher o seu futuro e apelava à justiça e à verdade como fundamentos da paz (idem, pp.60-63).

Em Portugal, o Encontro de Institutos Missionários realizado em Coimbra, entre 3 e 5 de junho de 1974, propôs uma declaração conjunta sobre a posição da Igreja na nova conjuntura sociopolítica (BN, jul.-ago., pp. 67-68). A proposta resultou no documento “Urge repensar a Missão. Missionários Hoje”, publicado na edição de setembro de 1974 (idem, pp.11-13). Paralelamente, a Sociedade Missionária Portuguesa reviu em profundidade a sua atuação, definindo novas diretrizes na III Assembleia Geral (Valadares, 11 de julho-28 de agosto de 1974), expressas no texto “Para um compromisso cada vez mais evangélico ao serviço das igrejas locais”(BN, out. 1974, pp.11-20).

A independência de Angola foi precedida por acordos entre o governo português e os três principais movimentos de libertação: FNLA, MPLA e UNITA (BN, mar. 1975, pp.11-13). A expectativa gerada pela transição refletiu-se no número especial da Boa Nova, com destaque para temas como “A Igreja em Angola”, “A mulher angolana numa Angola livre” e “Uma Igreja nova para uma Angola nova” (BN, ago.-set. 1975).

Notícia do nascimento de Angola como país independente, em 11 novembro de 1975. Boa Nova, dezembro de 1975, p. 5

A africanização da hierarquia eclesiástica foi um marco da autonomia da Igreja angolana. Bispos portugueses como D. Manuel Nunes Gabriel e D. Américo Henriques renunciaram aos seus cargos (BN, fev. 1976, p.15; ago.-set. 1976, p.13), e a Santa Sé aprovou uma profunda remodelação eclesiástica, reconhecendo o fortalecimento da Igreja local (BN, mai. 1977, p.7). A Carta Pastoral de 29 de junho de 1976 sobre a Evangelização de Angola traçava de modo auspicioso o ponto de situação da missionação do país (BN, nov. 1976, pp.6-9). Contudo, apesar da liberdade religiosa permitida pelo governo, os bispos angolanos mostravam-se atentos aos abusos e infrações cometidas pelos movimentos e autoridades (Nota Pastoral de 22 de novembro de 1976, BN, fev. 1977, p.16). 

Apesar da independência, a ocupação e usurpação dos bens das missões e a guerra civil subsequente, trouxe grandes desafios às populações e aos missionários. Alguns foram raptados (P. Laurindo Neto e P. José da Silva Mendes); outros impedidos de comunicar e circular, devido às guerrilhas (“Missionários em Angola escrevem”, abr. 1976, pp.15-16); outros martirizados, como o P. Manuel Armindo Lima (3 de fevereiro de 1982) e o Ir. Artur Paredes (6 de janeiro de 1985). Mesmo diante das adversidades, os missionários da Boa Nova aguentaram firmes, adaptando-se às novas contingências, acompanhando as comunidades em momentos decisivos, sendo muitas vezes a única voz ativa na defesa do povo angolano.