Missão com o Cuidado

(Isabel Sousa, Missionária da Boa Nova) – Sou Isabel Sousa, nascida em Vila Verde, uma pequena aldeia do concelho de Felgueiras há 49 anos, enfermeira há 27 anos e Missionária da Boa Nova há 26 anos. Fui desafiada a refletir e escrever sobre a missão e o papel da enfermagem na minha vida. Eu estava no segundo ano do curso de bacharelato em enfermagem quando iniciei o percurso formativo nas Missionárias da Boa Nova. 

Após ter sido missionária, em Mata Roma, no Maranhão, Brasil, a irmã Isabel foi enviada para Ocua, diocese de Pemba, Moçambique, onde continuou a ser enfermeira missionária do cuidado. Foto: Isabel Sousa

Ao longo do tempo fui percebendo a necessidade de aperfeiçoar os conhecimentos com o complemento em enfermagem e mais tarde o dever ético levou-me ao mestrado com especialização em enfermagem comunitária e saúde pública. 

Cuidar dos mais pobres foi desde sempre o meu propósito de vida, especialmente em África. E tal aconteceu. Terminei o curso em 1997 e no ano seguinte fiz a primeira Consagração Missionária sendo enviada, no mesmo ano, para a paróquia S. Francisco de Mata Roma, no nordeste brasileiro (Maranhão).

A formação de líderes na Pastoral da Criança na área dos cuidados de saúde para gestantes e crianças até aos 6 anos de vida foi o meu primeiro trabalho. Seguiu-se a formação de auxiliares de enfermagem e a inserção no programa Saúde da Família (uma equipa itinerante de saúde levava os cuidados de saúde primários às comunidades rurais). 

Em 2010, fui enviada para o norte de Moçambique, a missão de Ocua (diocese de Pemba, Cabo Delgado). Lá existia um posto de saúde, o posto da Missão. Ao amanhecer era frequente encontrar pessoas debaixo da mangueira à espera do atendimento. As consultas decorriam com o auxílio de um tradutor (socorrista da aldeia), havia também muitas pessoas com feridas. A par deste trabalho, vi a necessidade de implementar dois projetos, o projeto de “Suporte Nutricional” para crianças órfãs dos 0-2 anos de idade e o projeto “Amanhecer Saudável” na área da prevenção do HIV/ SIDA para jovens.

Em Portugal também tive oportunidade de trabalhar em meio hospitalar (Hospital Pedro Hispano e Hospital Maria Pia), em lares de idosos (Lar Santa Teresinha e Casa de Lordelo) e ainda na Linha de Saúde 24. Sempre por curtos períodos, nas transições entre os três países. 

Atualmente estou a servir como enfermeira num Centro Dia de Idosos, num bairro da periferia de Maputo (Hulene). São idosos que buscam no Centro a refeição, os cuidados de saúde, a atenção e o bem-estar no entardecer da vida.

A vocação missionária tem sido acompanhada pela enfermagem e as duas funcionam como membros de um único corpo incapazes de se separarem. Muitas vezes a enfermagem tem sido a porta de entrada para a evangelização. 

Nas Missionárias da Boa Nova a promoção humana é um dos pilares da missão e, como tal, a enfermagem funciona como uma alavanca para a promoção do bem-estar das pessoas, famílias e comunidades.

Atualmente, Isabel Sousa continua a ser missionária com os frágeis, em Hulene, periferia de Maputo, paróquia de Mavalane, ao cuidado dos Missionários da Boa Nova. Foto: Isabel Sousa

A enfermagem é a arte e ciência do cuidado com uso da melhor evidência científica, e cuidar de alguém é tornar-se próximo (irmão) logo é missão.  Cuidar é dom de Deus que necessita de aperfeiçoamento e exige conhecimentos, habilidades e atitudes para que se torne mais efetivo e promotor do bem-estar físico, social, mental, espiritual e cultural. 

Ser Cuidadora é ter como inspiração o próprio Cristo, procurando, no dia a dia, imitar seus gestos e atitudes. Eu tenho como lema a sua frase “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Ser Cuidadora é carregar numa mão o Evangelho, na outra os cuidados de saúde. A grande diferença está na decisão de quem escolhe o lugar para trabalhar. No caso da missionária não se escolhe [Deus escolhe] e envia para os diferentes contextos para que mais gente tenha vida em abundância.

Ser Cuidadora permite-me usar a metodologia da relação pastoral de ajuda, uma estratégia para o acolhimento e acompanhamento de pessoas e seus familiares em situações de maior vulnerabilidade, tal é aplicável também com os colegas profissionais da saúde para a valorização da dignidade humana. 

Ser Cuidadora é ser “Mãe” pois, tal como uma mãe, no seio familiar se cuida, se manifesta disponibilidade, confidencialidade, conhecimentos e se executam ações que aliviam aquele que está sem firmeza (enfermo). Muitas vezes escuto “você é minha/nossa mãe”. Isso é belo, mas também exigente, porque não há um horário rígido de trabalho, as pessoas procuram-me em casa a qualquer hora….

Na pastoral (formação de lideranças, catequese e outras) o conhecimento na área da saúde permite-me ajudar as pessoas a quebrar tabus ( como “remédio da lua” para recém-nascidos), medos e crenças que maltratam as pessoas, expondo-as à doença e/ou exclusão na comunidade (por exemplo, pessoas albinas e leprosos).

Ser Cuidadora permite-me usar a metodologia da relação pastoral de ajuda, uma estratégia para o acolhimento e acompanhamento das pessoas enfermas, seus familiares e, com os colegas profissionais da saúde, para a valorização da dignidade humana. 

Na Missão tal como na Enfermagem estabelecem-se interações e diálogos; constroem-se e reconstroem-se conhecimentos; envolve-se cordialidade, empatia, respeito e segurança, promove-se a escuta atenta e atribui-se sentido ao dar e receber cuidados.

Em jeito de conclusão, posso dizer: quem cuida também se beneficia do cuidado, na medida em há uma necessidade intrínseca de dar afeto. O ser humano necessita, para seu próprio equilíbrio, de cuidar de alguém [assim o entendo], dar-se ao Outro, extravasar o amor que habita dentro de si em atos, gestos e atitudes concretas para, no final do dia, dizer como o cantor “eu sei que dormirei muito mais feliz”. 

Obrigada, meu bom Deus, por me fazeres enfermeira missionária.