IDE: Missão é o fazer com amor

Temos a alegria de partilhar a entrevista realizada pelo Pe. Jerónimo Nunes ao novo sacerdote da SMBN, Pe. Abdul Vianel, por ocasião da sua ordenação, em junho de 2024, em Moçambique, de onde é natural. Graças ao Dono da Messe, a SMBN continua a crescer e a gerar novos filhos para a missão.

Filho de pai muçulmano, o padre Abdul cresceu na fé islâmica. A separação dos pais foi ocasião para o Abdul encontrar a fé católica e a vocação ao sacerdócio missionário. Foto: Boa Nova 

Abdul Vianel Rapessone, filho de Vianel Rapessone e de Julieta Inácio, nasceu a 12 de setembro de 1992 em Malema, Nampula (Moçambique). Filho de pais muçulmanos, é o terceiro de quatro irmãos, o único de género masculino. Cresceu num ambiente muçulmano desde a sua infância. Após a separação dos pais, mudou-se para a religião católica juntamente com a sua mãe. Foi batizado na Paróquia São Miguel Arcanjo-Malema, no dia 23 de abril de 2006, e crismado, no dia 30 de outubro de 2011, na Paróquia São João Baptista, no bairro do Fomento, junto ao Seminário da Boa Nova, em Maputo. 

O Pe. Abdul Vianel foi ordenado sacerdote, no dia 22 de junho de 2024, em Malema. O Pe. Jerónimo Nunes, que acompanhou o jovem Abdul durante o seu crescimento vocacional, entrevistou-o por ocasião da sua ordenação.

Padre Jerónimo (PJ):  O teu pai é muçulmano. Como descobriste o cristianismo?

Padre Abdul (PA): Nasci e cresci numa família muçulmana e aos 13 anos descobri o cristianismo. Não sei se digo graças a Deus ou não, mas digo que foi destino de Deus. Descobri o cristianismo quando os meus pais se separaram. Com isso, todos os filhos tinham que seguir a mãe – porque no Norte de Moçambique predomina o grau de parentesco matrilinear. A separação levou a minha mãe a voltar à religião dos seus pais e fez com que a seguisse para poder me educar na sua fé. Mas também, por um lado tinha amigos que eram cristãos e como gostava de brincar, acabei descobrindo o cristianismo a partir das brincadeiras dos meus amigos que eram cristãos. 

Com D. Inácio Saúre, Arcebispo de Nampula, que presidiu à ordenação, e o seu irmão sacerdote, companheiro de ordenação. Foto: Boa Nova

PJ: Como nasceu a tua vocação?

PA: A minha vocação nasce, como disse, a partir da separação dos meus pais. Quando a mãe mudou de residência, criei amizade com amigos que professavam a fé católica, e foi daí que descobri o cristianismo. Eu gostava de brincar, mas como não podia brincar com eles nos dias em que iam à igreja, principalmente sábado e domingo, acabei seguindo todos os sábados. Porém, sem o consentimento dos meus pais, porque sabia que nunca me deixariam mudar de religião. Foi nessa altura que conheci o padre José Alexandre da Conceição Nunes, Missionário da Boa Nova, então Pároco de Malema,  que trabalha em Moçambique há mais de 50 anos. O Pe. José Alexandre ia rezar pelo menos uma vez por mês naquela comunidade (Santa Filomena) e fiquei encantado com a forma de ele rezar; e isso me motivou a querer ser como ele, ou seja, a ser sacerdote. De início não queria ser padre, mas usar o estilo de vida que ele usava. Para isso, disseram-me que primeiro tinha que ser padre. Com a minha inocência aceitei. É aqui onde nasce realmente a minha vocação. Hoje, digo: “graças a Deus e valeu a pena”, porque descobri que não é só a forma de vestir, mas também a forma de estar com e para o povo. 

PJ: Na Teologia, fizeste um estudo sobre D. Manuel Vieira Pinto (Arcebispo emérito de Nampula). O que significa esse homem para a Igreja moçambicana? 

PA: Realmente fiz um trabalho sobre esse grande homem. Fazer um trabalho sobre D. Manuel é falar da história da Igreja em Moçambique, pois o bispo Manuel procurou ser e viver a Igreja no meio de um povo e para o povo. Aliás, os feitos de D. Manuel são vistos até aos dias de hoje na Igreja de Moçambique. 

Entre outros representantes da Igreja moçambicana, D. Manuel procurou buscar a paz, quando os dois grandes partidos do país (FRELIMO E RENAMO) se encontravam numa crise política. D. Manuel Vieira Pinto enfrentou na Igreja de Moçambique, a luta pelo respeito da dignidade humana, considerando que o respeito pelo homem e seus direitos é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz social para um povo, por isso procurou promover de qualquer forma a paz e o respeito. A Igreja de Moçambique olha o bispo Manuel como um revolucionário no seu sentido eclesial, creio eu, um pai e missionário apaixonado pelo povo. 

PJ: E, para ti, o que diz Dom Manuel Vieira Pinto?

PA: Para mim, D. Manuel Vieira Pinto é uma figura que procurou estar com e para o povo; a viver e a sofrer com ele. Percebi do mesmo modo que o ser missionário não são somente palavras, mas principalmente testemunho de vida no quotidiano. Um exemplo para a paz, porque o desrespeito dos direitos humanos gera a violência, perseguição, gera ódio entre os homens. Também para mim é aquele que procurou buscar a liberdade do povo moçambicano, formar um homem livre.  

Ao longo da sua formação, o Pe. Abdul compreendeu que «a missão é partir e, acima de tudo, é o fazer com amor. Isso para mim é muito importante: o fazer a missão com amor». Foto: Boa Nova

PJ: Os teus sonhos de missionário?

PA: Quando entrei no seminário, em 2011, não sabia a importância da missão, mas depois de muito tempo, pude perceber que a missão é partir e, acima de tudo, é o fazer com amor. Isso para mim é muito importante: o fazer a missão com amor. Ao longo da minha formação, pude perceber que a missão faz-se no respeito.  Por isso, nos meus primeiros anos de sacerdócio, queria ficar onde fiz a minha formação, principalmente nos meus primeiros anos, para “dar de graça o que de graça recebi”. Isso para mim é um desejo, mas depois dessa missão desejo partir, nem que seja para abrir um novo campo de missão, esse também é o meu desejo, abrir nova missão, claro com a permissão dos meus superiores.

PJ: O teu lema de vida é simplicidade. Porquê?

PA: “Não ambiciono grandezas, nem coisas superiores a mim(Sl 130,1b) é o meu lema de ordenação diaconal e também sacerdotal. Escolhi esse lema, porque para mim a simplicidade forma o homem, e não é o homem que forma a simplicidade. 

Quando pensei no lema da ordenação, não me veio outra passagem bíblica se não essa passagem do salmista. A passagem por mim escolhida me identificou, talvez por aquilo que passei, numa família que me educou a ser homem, e isso marcou a minha vida. Na nossa vida, deixamos marcas, sejam elas boas ou más, mas deixamos marcas. A minha mãe disse sempre para mim: a personalidade que escolhemos irá nos acompanhar até o último dia da nossa vida, mas cabe a cada um escolher aquilo que irá definir a sua vida. Achei que essas palavras do salmista seriam o meu guia nessa nova fase, que encerra uma e abre outra, por sinal a mais longa. 

Com isso, digo muito obrigado a Deus, ao meu Instituto – Sociedade Missionária da Boa Nova – que sempre teve confiança em mim, à minha família, amigos e todas as pessoas que direta ou indiretamente estiveram presentes na minha formação.