
(Frei José Nunes/Ordem dos Pregadores) – O Frei José Nunes, dominicano, professor de teologia na UCP, com experiência missionária em Angola, partilha connosco uma reflexão que pode ajudar a clarificar os diferentes âmbitos da missão. A Igreja existe para evangelizar e todos os batizados, sacerdotes-profetas-reis, têm o dever de evangelizar. É, porém, importante conhecer e distinguir os diferentes os âmbitos da missão evangelizadora da Igreja, para que todos sejamos de facto discípulos missionários de Cristo que vivem a doce e reconfortante alegria de evangelizar em todo o tempo e lugar.
Este título usa duas expressões latinas, bem clássicas, para falar da tarefa pastoral da Igreja: a dimensão mais interna (ad intra) e a perspetiva de relação ‘para fora’, com a sociedade e o mundo (ad extra).
É certo que o Concílio do Vaticano II usa preferentemente o vocábulo ‘missão’ e fala da global natureza missionária da Igreja… mas também é verdade que, com mais propriedade, deveríamos falar de ‘evangelização’ para a pastoral interna da Igreja (o ad intra) e ‘missão e nova evangelização’ para os não-cristãos ou afastados (o ad extra).
Na sua encíclica Redemptoris missio (1990), o Papa João Paulo II distingue muito bem os vários destinatários da missão da Igreja: «Olhando o mundo de hoje, a partir da perspetiva da evangelização, podemos distinguir três situações. Primeiro, há a situação a que se dirige a atividade missionária da Igreja: povos, grupos e contextos socioculturais onde Cristo e o seu Evangelho não são conhecidos, onde faltam comunidades cristãs suficientemente amadurecidas para poderem encarnar a fé no seu próprio ambiente e proclamá-lo a outros grupos. Esta é a missão ad gentes no sentido próprio do termo. Em segundo lugar, existem comunidades cristãs que possuem sólidas e adequadas estruturas eclesiais. Elas são fermento de fé e de vida cristã. Elas testemunham o Evangelho no seu ambiente e têm um senso de compromisso com a missão universal. Nessas comunidades, a Igreja exerce a sua atividade e cuidado pastoral. Em terceiro lugar, há uma situação intermediária, particularmente em países com antigas raízes cristãs, e, ocasionalmente, nas Igrejas mais jovens, bem como em grupos inteiros de batizados que perderam o sentido vivo da fé, ou mesmo já não se consideram membros da Igreja, e vivendo uma vida distante de Cristo e seu Evangelho. Neste caso, o que é necessário é uma “nova evangelização” ou “re-evangelização” (RM 33).
A evangelização ‘ad extra’, referida na primeira e terceira situações do texto do Papa, diz respeito à missão ad gentes e à nova evangelização. Embora os destinatários sejam diferentes quanto ao facto de os primeiros não serem batizados e os segundos o serem, a verdades é que tais destinatários requerem uma evangelização bastante parecida, que poderia ser caracterizada pelos seguintes pontos: a) referência ao negativo (ter consciência de que se trata de não-cristãos ou de não-evangelizados); b) espiritualidade do êxodo (a Igreja tem de se deslocar, ir ter com tais pessoas, já que elas não vêm à igreja); c) anúncio explícito de Jesus e seu Evangelho (não basta apenas testemunho de vida bonito e solidário, é necessário entregar o Evangelho, dar a conhecer a pessoas de Jesus Cristo); d) entrada na Igreja/vida comunitária (esse é o objetivo de todo o processo missionário).
Quanto à missão ‘ad intra’, a que se refere o segundo grupo de destinatários no citado texto do Papa, ela é constituída por aquilo que habitualmente designamos por pastoral. Sem dúvida que ela é vivida e incrementada pela celebração litúrgica e sacramental, mas em termos de evangelização mais direta deveríamos pensar nas catequeses, nas homilias, nos cursos bíblico-teológicos, nas plataformas digitais e redes sociais, etc. Mas com uma preocupação bastante importante e decisiva: um anúncio baseado na centralidade da Palavra de Deus! É o que nos lembra aquilo a que nos apela a Exortação Pós-Sinodal Dei Verbum, do Papa Bento XVI (em 2010): «de facto, a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela» (DV 3). E é também o que nos diz de forma lapidar o texto dos Lineamenta do Sínodo de 2012, sobre a Nova Evangelização (n.2): «transmitir a fé significa, no essencial, transmitir as Escrituras e, de um modo especial, o Evangelho que permite conhecer a Jesus, o Senhor».
Finalmente, haveríamos de ter presentes quatro notas muito importantes de toda e qualquer tarefa evangelizadora da Igreja, já seja na missão ad intra ou na missão ad extra:

– a presença da alegria: «A alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária» (Papa Francisco, Evangelii Gaudium 21). Por isso, evangelizar significa comunicar e levar alegria, esperança e libertação (cfr. Sínodo 2012: Lineamenta nn.24-25 e Instrumentum Laboris nn. 166-169);
– a preocupação com os pobres: «Se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há-de chegar a todos, sem exceção. Mas a quem deveria privilegiar? (…) Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho» (EG 48).
– a importância do testemunho e das ‘obras’: não devíamos esquecer que palavras e gestos libertadores se reclamam reciprocamente, razão pela qual a toda a missão deve ser feita com o anúncio explícito de Jesus Cristo, mas também com uma forte obra socio-caritativa. Vale a pena lembrar aqui a Verbum Domini: «Antes de mais nada, é importante que cada modalidade de anúncio tenha presente a relação intrínseca entre comunicação da Palavra de Deus e testemunho cristão; disso depende a própria credibilidade do anúncio. Por um lado, é necessária a Palavra que comunique aquilo que o próprio Senhor nos disse; por outro, é indispensável dar, com o testemunho, credibilidade a esta Palavra, para que não apareça como uma bela filosofia ou utopia, mas antes como uma realidade que se pode viver e que faz viver (…) Deste modo, aqueles que encontram testemunhas credíveis do Evangelho são levados a constatar a eficácia da Palavra de Deus naqueles que a acolhem» (VD 97).
– todos os cristãos são agentes da missão: já o Papa Paulo VI escrevera, em 1975, na Evangelii Nuntiandi n.24, que «todo o evangelizado evangeliza»; e, como muito bem sublinha o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium: «Constituamo-nos em estado permanente de missão» (EG 25); «A todos exorto a aplicarem, com generosidade e coragem, as orientações deste documento» (EG 33): ao Bispo e à Igreja diocesana (EG 30-31), à paróquia (EG 28), às comunidades de base, pequenas comunidades cristãs, comunidades de movimentos, ligadas à paróquia e diocese (EG 29). É que, afinal, todo o cristão é sacerdote-profeta-rei! «Todos somos chamados a aceitar esta chamada» (EG 20).