O sentido bíblico da fórmula “Bem-aventurados”

(Pe. Luís Castro, Vigário Geral da SMBN) – No contexto do itinerário da preparação da celebração do Centenário da Sociedade Missionária da Boa Nova, que tem a versão das Bem-aventuranças segundo São Mateus (Mt 5,1-11) como pano de fundo, parece-me oportuno reflectir sobre o significado da fórmula “Bem-aventurados”, na Sagrada Escritura. Começamos pelo Antigo Testamento (AT), para depois passarmos ao panorama do Novo.

A atual Direção Geral da SMBN. No meio, o Pe. Luís Castro, biblista e Vigário Geral, à direita do Pe. Adelino Ascenso, Superior Geral. Foto: © Pe. Zé Manel

1. Uma bem-aventurança exprime uma felicitação, um desejo de felicidade. Tem, portanto, que ver com uma vida boa e bela. Do ponto de vista da sua formulação, estas felicitações são breves, indicando desse modo que elas não pretendem descrever em que consiste a felicidade enquanto tal, quanto indicar o caminho para a alcançar.

2. O formulário das Bem-aventuranças presentes no Novo Testamento (NT) afunda as suas raízes religioso-espirituais na tradição bíblica do AT, onde este tipo de formulário recorre 45 vezes. Destas, a maior parte concentra-se nos Salmos com 26 recorrências (Sl 1,1; 2,12; 32,1.2; 33,12; 34,9; 40,5; 41,2; 65,5; 84,5.6.13; 89,16; 94,12; 106,3; 112,1; 119,1.2; 127,5; 128,1.2; 137,8.9; 144,15[2x]; 146,5), seguidos pelo livro dos Provérbios, que contabiliza 7 recorrências (Pr 3,13; 8,32.34; 14,21; 16,20; 20,7; 28,14; 29,18). As restantes onze ocorrências encontram-se três em Isaías (Is 30,18; 32,20; 56,2); duas em 1Rs 10,8 e em 2Cr 9,7, e uma, respectivamente, em Dt 33,29; Jb 5,17; Qo 10,17; Dn 12,12.

As fórmulas de bem-aventurança concentram-se, portanto, maiormente nos textos poéticos e nos textos de carácter sapiencial, onde desempenham a função de proclamações de exultação laudatória e de exortação sapiencial. Enquanto proclamações de exultação, as bem-aventuranças cantam a felicidade da eleição de Deus e da pertença a Ele (Sl 32,1-2; 33,12; 65,5; 84,5.6.13; 89,16; 144,15; 146,15; Dt 33,29) ou a alegria da salvação (Is 30,18; 32,20). Nos Provérbios, em Job e no Eclesiastes, as bem-aventuranças são, sobretudo, uma exortação a observar o direito e a justiça, mas também à esperança (Is 30,18; Sl 146,5; Dn 12,12), à confiança em Deus (Sl 2,12; 34,9; 40,5; 84,13; Pr 16,20), a declarar o Senhor como própria força (Sl 84,6).

“Bem-aventurança” é sinónimo da felicidade suprema e da realização pessoal que uma pessoa obtém quando é alvo da ação de Deus. Foto: jcomp, Freepik

3. No NT, a fórmula de bem-aventurança é expressa com o adjectivo grego makários (50 vezes), que significa “feliz”. Desta mesma palavra deriva o nome próprio “Macário”, também usado entre nós. Destaca-se o seu uso com a construção “bem-aventurado(s) o(s) + pronome/substantivo que…” ou outras semelhantes, chamada, habitualmente, de macarismo (44 vezes). Esta formulação está presente sobretudo nos Evangelhos (Mt 5,3.4.5.6.7.8.9.10.11; 11.6; 13,16; 16,7; 24,46; Lc 1,45; 6,20.21[2x].22; 7,23; 10,23; 11,27.28; 12,37.38.43; 14,14.15; 23,29; Jo 13,17; 20,29) e no Apocalipse (Ap 1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7.14). No resto do NT são poucos os exemplos (Rm 4,7.8; 14,22; Tg 1,12.25; 1Pd 3,14; 4,14).

4.  O que chama a atenção na comparação entre as bem-aventuranças do AT e o texto de Mateus é a forma em litania deste último. Embora se encontrem várias bem-aventuranças na tradição bíblica (Sl 84,4-5; 119,1-2; 128,1-2; Sir 14,1-2; 25,8-9), nunca se encontra uma sequência tão numerosa de afirmações de felicidade como no texto do primeiro evangelho.

O termo “bem-aventurança” é sinónimo da felicidade suprema e da realização pessoal que uma pessoa obtém quando é alvo da ação de Deus. No Evangelho, é na pessoa e na missão de Jesus, que se manifesta a presença de Deus. Escreve a este propósito S. Mateus: “Bem-aventurados os vossos olhos porque vêem e os vossos ouvidos porque ouvem. Em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, e ouvir o que ouvis e não o ouviram” (Mt 13,16-17).