(Pe. Rui Ferreira) – Nos cem anos da Boa Nova, ninguém melhor que o Pe. Artur de Matos, cuja vida se pode ler nas entrelinhas, para partilhar connosco a aventura da pioneira da imprensa missionária em Portugal, e também da importância da missão de comunicar e de comunicar a Missão.

Vocação, comunicação e missão
Boa Nova (BN): O que o motivou a contribuir na revista?
Pe. Artur de Matos (PA): Um dia, o meu professor de português, ainda na escola primária, disse: “Oh Arturito, tu tens jeito para o jornalismo”. Eu nunca pensei naquilo e nem sabia o que ele estava a dizer. A verdade é que era de facto bom aluno a português, gostava de escrever e de ler livros. Então, comecei também a colaborar em jornais dos alunos. Como escuteiro, colaborei em jornais regionais de escutismo. Depois, convidaram-me para fazer algumas poesias em sessões solenes, ainda como estudante em Cernache de Bonjardim, como seis anos mais tarde, enquanto aluno de filosofia e teologia. Portanto, fui entrando devagarinho. Os diretores do Missionário Católico, que eram simultaneamente nossos professores, falavam da revista com entusiasmo. Eram padres jovens que tinham vindo de Roma, com novas ideias. Estávamos já depois do Concílio Vaticano II e queriam dar força e vida à revista. Queriam lançar a ideia, através da revista, da Sociedade Missionária como o Instituto Missionário de Portugal e motivaram-nos a pertencer, a escrever e a colaborar. E foi por esse motivo, por ter gosto em escrever, e depois por ser nomeado para a revista.
BN: Quando e como começou a trabalhar na Boa Nova?
PA: Foi em setembro de 1967. Estava em Cernache de Bonjardim, havia necessidade de um redator, e eu disse ao reitor, o Pe. Manuel Augusto Trindade, que estaria disponível; tinha gosto em escrever, e que se precisassem de mim podiam chamar-me para a revista. E assim foi: vim fazer equipa com o Pe. António Soares, que era o diretor, com o Pe. Francisco dos Santos, que tinha vindo de Roma, licenciado em Teologia Dogmática, e também com o Pe. Januário dos Santos. Éramos uma equipa jovem, cheia de sonhos. Comecei, em outubro de 1967, com um artigo sobre o donativo do Papa São Paulo VI, em Fátima, para o Seminário de Valadares.
BN: Como é que o seu percurso foi evoluindo?

PA: Foi intermitente. Comecei em 1967 e estive até 1970. Nesse intervalo, já a equipa redatorial pensava, segundo a orientação e o espírito do Concílio Vaticano II, em alargar a revista a outros sectores, porque “Missionário Católico” parecia-nos demasiado fechado. Então, achámos por bem alargar os conteúdos da revista sem o espírito, digamos, “de sacristia”. Eu próprio sugeri, em junho de 1968, o título de “Mundo Novo” ou “Boa Nova”. Eu estava também nesse ritmo acelerado de entusiasmo, mas um dia, o Pe. Alfredo Alves, Superior Geral, bate-me à porta e diz: «Tens de deixar a revista e ir para Cernache de Bonjardim». A revista mudou de nome em janeiro de 1970.
Depois, de 1974 a 1988, assumi de novo a revista, mas, simultaneamente, como estudante de jornalismo em Lisboa. Nessa ocasião, tive a possibilidade de contactar com muitos jornais e abri-me muito à dimensão ecuménica da Igreja e da revista Boa Nova.
BN: Quais os anos que esteve em Lisboa a formar-se em jornalismo?
PA: A primeira fase foi na Escola Superior de Meios de Comunicação Social. Aí, tive contato com a Rádio Renascença, onde fiz um breve estágio, e também com o jornal Expresso. Depois, pertenci à Comissão Diocesana de Lisboa da Comunicação Social, que fundou o jornal católico de então, chamado Nova Terra. Fui eu que sugeri o nome e foi aceite. O jornal Nova Terra esteve em circulação durante alguns anos.
No PREC [Processo Revolucionário em Curso], estive na Rádio Renascença, circundado por protestos, quando rebentaram os emissores. Junto com o João Gomes, um grande jornalista português – um homem bom, cristão, que achava que era importante haver uma revista, a nível nacional, que falasse do que a Igreja faz também em Portugal – fundámos a revista Atos, que circulou durante dois ou três anos.
Essa experiência, de 1974 a 1988, foi um percurso muito rico. Foi nessa altura que a Boa Nova chegou a 30 mil exemplares de tiragem, entre 1984 e 1986.
Do Missionário Católico à Boa Nova
BN: O Pe. Artur entrou na revista num tempo de grande renovação mundial, particularmente na Igreja, com o Concílio Vaticano II, com uma equipa em que alguns deles tinham vivido em Roma. Fale-nos um pouco mais desta mudança.
PA: Preocupávamo-nos, nessa altura, por estar em sintonia completa com as orientações do Concílio Vaticano II e sobretudo com o documento sobre a comunicação social [Decreto Inter Mirifica], para que a Boa Nova de Jesus fosse, de facto, uma Boa Notícia para as pessoas. Queríamos sublinhar o belo, o bom e o maravilhoso que a Igreja Católica faz no mundo, e que os outros meios de comunicação nunca anunciam. A ideia foi de que a Boa Nova de Jesus tem de ser envolvida numa outra capacidade de transmissão da sua mensagem: mais moderna, mais aberta e mais universal.

BN: O Evangelho é, em si mesmo, um paradigma de comunicação positiva?
PA: Claro. O Evangelho é uma Boa Nova; é uma comunicação. E por isso tivemos de dar essa comunicação a todos, sem excluir ninguém. Porque a ideia de um “Missionário Católico” dava a sensação que era só o padre missionário e os pagãos, e excluía totalmente as outras pessoas.
BN: Isto traz-nos, com o Papa Francisco, novamente, a Lisboa: “Todos, todos, todos”…
PA: Nós quisemos dar a dimensão missionária da Igreja para todos; não só padres, mas também casais, leigos, jovens… E aí começou uma vida nova, com conteúdos mais alargados.
Desafios da Boa Nova num Mundo Novo
BN: Durante o seu percurso na revista, quais foram os momentos mais marcantes?
Foi talvez o Concílio Vaticano II, que teve impacto maior nos anos de 1970. Depois a Revolução de Abril de 1974. Tivemos de adaptar muita linguagem aos novos tempos. Mais da liberdade, do bom e do belo que a Igreja Católica tem feito, sobretudo nos países mais pobres. E fazer da nossa presença missionária e da revista Boa Nova uma voz e uma vez daqueles que não tinham voz nem vez. A revista Boa Nova sintonizava com este clima, este clamor da libertação. Foram tempos muito bonitos. Também houve a mudança de título. Depois o problema das cores. Passar a revista para cor, foi um momento muito importante. E também, naturalmente, com o Pe. José Alves, que era o administrador. Fazíamos uma dupla muito boa. Foi a informatização da revista. Fomos dos primeiros em Portugal, como revista missionária, a informatizar os nossos serviços e a ter computador. Foi em 1981/82. Era um Nixdorf, uma espécie de piano, enorme!
Outro momento muito importante e significativo foi o encontro com os leitores. Fizemos encontros entre os anos 1986/88 (Évora, Lisboa, Porto, Braga…). Foi uma proximidade muito grande com a família Boa Nova.
BN: Eram outros tempos.
PA: Sim. Foi muito interessante e apareceu muita gente. Pensava-se que vinha pouca gente, mas por exemplo, em Lisboa, encheu-se o salão da igreja do Sagrado Coração de Jesus, no Marquês.
BN: Além dos momentos positivos, quais foram os maiores desafios?
PA: O maior desafio da revista Boa Nova, neste tempo todo, foi ter de adaptar-se, às vezes contra correntes e opiniões, na informatização e nos conteúdos. E no risco de avançarmos com campanhas de assinaturas. Houve alguns momentos internos e críticos, mas nós entendemos que a nossa melhor presença era a revista. Até usámos o lema “A nossa imprensa, a nossa presença”. Porque a imprensa chega onde nós não chegamos. E por isso investimos muito nessa dimensão da presença da revista. Fomos à lista de todos os cabeleireiros e consultórios médicos em Portugal e enviamos para lá a revista gratuitamente. E a todas as escolas, mandámos um outro jornal chamado “A Cruzada Missionária”, hoje “Voz da Missão”. A divulgação da revista foi um grande desafio.
BN: Quais desafios que prevê para a revista nos próximos anos no contexto das mudanças tecnológicas e sociais que vivemos hoje?
PA: Os desafios têm de passar exatamente por uma comunicação aberta, agradável, boa e não com “odor de sacristia”.
BN: Como assim?
PA: Com a linguagem de Jesus. Como as parábolas. Isto é, que testemunhe o belo e o bom que a Igreja e os cristãos fazem, quer aqui, quer em qualquer parte do mundo. E isso é que conta.

BN: Vê um certo paralelismo entre o tempo atual – do processo sinodal – e o tempo do Concílio?
PA: Vejo esse paralelismo e com uma certa acentuação negativa. Porque hoje as pessoas – mais que não crentes – são indiferentes à fé e à religião, mas são abertas à bondade, ao belo, ao bom e às boas ações. Venham elas de onde vierem. Então, a revista Boa Nova, se for um veículo de transmissão do belo, e do bom e do heróico que muita gente faz, essa boa notícia é lida por ateus, por muçulmanos, judeus. É lida por toda a gente. Isso é também o Evangelho a penetrar nas fraturas e nas fendas de corações generosos e abertos ao bem. É importantíssimo. A revista Boa Nova terá saída, porque dá notícias que os outros não dão.
O futuro da Boa Nova e as Novas Fronteiras da Missão
BN: Mas terá de fazer-se presente em canais onde não está: site, redes sociais, podcast, blog?
PA: Sem dúvida! Um canal digital e um site muito bem feito e investido. Portanto, terá de haver uma alternativa digital aos meios de comunicação tradicionais, para que realmente seja um veículo da Boa Nova, a Boa Notícia. O título da minha tese em Comunicação Social foi “Da missão da Notícia à notícia da Missão”. A notícia tem uma missão, que é informar, comunicar. E depois, a notícia da Missão. Esta boa comunicação da notícia é colocada no anúncio de Cristo, da Missão, da Boa Nova.
BN: Quais são as suas expectativas para o futuro da Boa Nova? Isto é, se a Boa Nova acompanhar essas alterações?
PA: A Boa Nova terá de investir muito mais na formação das pessoas que colaboram nela. Terá de investir muito sério e profundamente em técnicos especializados nos meios digitais[destaque]. Isso é importante. O papel é sempre uma proximidade, estou convencido que a imprensa escrita e o livro não vão desaparecer, porque acaba por ser um companheiro de cabeceira, um companheiro de viagem, e é palpável. O toque é indispensável. Mas o futuro da revista Boa Nova terá de passar necessariamente para outra alternativa aos meios de comunicação tradicionais. Isso irá exigir também uma equipa especializada.
BN: A SMBN pode sobreviver e exercer a sua missão sem se comunicar e sem uma estratégia de comunicação?
PA: Claro que não. Sem comunicar a missão morre. A missão é a comunicação, e se a SMBN é uma sociedade missionária, tem de comunicar interna e externamente a sua identidade, a sua missão, o seu objetivo, o seu carisma. Portanto, ela tem de aproveitar os meios onde se encontram os alvos importantes, que são todos, da mensagem de Jesus. Se os alvos estão na tecnologia, terá de investir na tecnologia.
BN: O Relatório de Síntese da primeira sessão do Sínodo (outubro de 2023) fala dos novos meios digitais de comunicação social, como as novas fronteiras da missão. É um novo continente?
PA: E temos de evangelizar nesse continente.
A Riqueza da Missão
BN: Falemos um pouco sobre a ação missionária e a sua experiência missionária.
PA: Foi a melhor coisa que me aconteceu. Quando fui ordenado padre, pensei em ir diretamente para as missões no exterior. Mas só fui aos 47 anos para Angola, em plena guerra civil (2 de janeiro de 1989). Fui colocado na paróquia de Porto Amboim, depois passei para a cidade de Sumbe, que é hoje a capital da diocese. Foram anos maravilhosos em que me senti muito feliz e aprendi muita coisa. Aprendi que ser feliz não depende das coisas. Não havia rádio, nem televisão. Nem eu tinha rádio, nem televisão, nem telefone, nada! E a comida era pouca, quase nada. Mas as pessoas eram felizes. Foi uma experiência totalmente diferente, que me ajudou também a perceber a riqueza da diversidade dos povos, da cultura diferente e rica, que me ajudou depois também, posteriormente, com a revista Boa Nova.
BN: Como é que essas experiências influenciaram o seu contributo na revista?

PA: Apercebi-me que a revista devia ser mais próxima da vida real das pessoas e ter cada vez mais presente os países da missão. Em Angola, tive uma secção muito engraçada na revista, chamada «Meu Cristo de Barro e de Diamante». E havia o relato constante de factos, que vivi durante esses sete anos em Angola. Achei que era necessário dar a conhecer o testemunho fantástico das pessoas dos países de missão, muito mais pobres que nós em bens materiais, mas ricos na alegria, na paz e na felicidade de ser cristãos. Acho que um diretor que trabalhe na revista Boa Nova, sem a visão ou sem a presença na linha da frente da missão, não entenderá bem a beleza de transmitir aos outros o que é a missão. Aí enriqueci mais. Antes tinha uma certa técnica e alguns conhecimentos teóricos, mas depois fiquei enriquecido com a vida missionária concreta e o testemunho daquela gente que vivia a sério o cristianismo.
BN: Pode dar algum exemplo do impacto direto da revista na ação missionária.
PA: A Boa Nova tem muito impacto a nível missionário. Em dois campos. Em Portugal e nas missões. Em Portugal, era lida nos seminários diocesanos, e formou missionariamente muitos padres; hoje alguns são bispos, que se formaram através das Academias São João de Brito, nas várias vertentes. Também a nível dos movimentos de juventude, a revista teve uma secção muito importante e marcante chamada «Olá Juventude», que movimentou muitos jovens, que depois se tornaram Leigos Boa Nova, etc.
Em África, a revista ia para os catequistas. Também através dos nossos missionários, a revista era lida, era conhecida. Eu próprio vi muitas vezes, nos encontros de catequese, a revista Boa Nova. Era uma presença nossa, sem dúvida nenhuma.
Sei também de muitos padres angolanos que vieram para sacerdotes, e até alguns para a SMBN, por causa da Boa Nova. Era uma presença silenciosa, mas fecunda, para provocar nos jovens o gosto da vocação missionária.
BN: E o desenvolvimento das pessoas?
PA: Os povos do Brasil, Angola, Zâmbia, Moçambique, foram muito beneficiados em obras materiais, sociais e de solidariedade com a Boa Nova. Foi a grande benfeitora de muitas obras feitas nas missões; foi esta humilde serva da mensagem do Senhor, que é a revista Boa Nova.


