Para uma Igreja em Missão

(Pe. Jerónimo Nunes, Missionário da Boa Nova) – A Animação Missionária é parte constitutiva da identidade e do carisma da Sociedade Missionária da Boa Nova. A Igreja existe para evangelizar e ser cristão é ser missionário. “Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós” (Jo 20, 21). A pastoral de Animação Missionária tem como meta despertar a consciência missionária de toda a Igreja, ajudando cada cristão a assumir a missão que brota do próprio batismo e do amor fontal de Deus Pai. Nesta Boa Nova, queremos dar a conhecer melhor este trabalho tão importante, sempre atual, que necessita de mais operários para tão grande messe. 

A Sociedade Missionária foi o primeiro Instituto a realizar peregrinações organizadas ao Santuário de Fátima. Foto: SM Boa Nova

Missão para ressuscitar a Igreja

O primeiro a pensar numa Sociedade Missionária em Portugal foi D. António Barroso, missionário em Angola, e bispo em Moçambique, em Meliapor (Índia) e no Porto. Em 1911, visitou Cernache do Bonjardim. Num dia em que foi passear junto do rio Zêzere, houve uma revolta no seminário. O médico local mandou um recado: “não regresse ao Seminário, venha para a minha casa”. Eram os anos tumultuosos da primeira república, perseguidora da Igreja: a maioria das casas religiosas foram encerradas, nacionalizadas e o trabalho da Igreja foi impedido. 

Estátua a D. António Barroso, em Barcelos. Missionário formado em Cernache do Bonjardim, enviado para Angola, bispo missionário em três continentes, foi o primeiro a expressar publicamente o sonho de criar uma Sociedade Missionária em Portugal. Foto: SM Boa Nova

Os bispos portugueses que estavam nas colónias entraram em pânico: quem vai formar os missionários do futuro? Que faremos aqui sem missionários?

D. João Lima Vidal, bispo de Angola, levou a questão a sério: é melhor voltar para Portugal, dar força à Igreja, pressionar o governo e restaurar a formação de missionários. Em 1914, já morava em Lisboa, junto ao centro do poder. Foi nomeado Vigário-Geral de Lisboa e estabeleceu métodos claros para atingir os seus objetivos: Criar em cada paróquia um grupo de oração pelas vocações; unir os missionários regressados ao país para trabalharem juntos pela ressurreição da Igreja; procurar padres com influência política para restaurar os seminários.

Após sete anos de trabalho persistente, em 1921, conseguiu que lhe cedessem o Convento de Cristo, em Tomar, para restaurar o Seminário das Missões, que tinha sido laicizado pelo regime, em Cernache do Bonjardim. Para reitor veio o então bispo de Meliapor, D. Teotónio Vieira de Castro; para formadores, chamaram antigos missionários que estavam esquecidos nas dioceses; para ecónomo, escolheram o Mons. Amadeu Ruas, um padre de Lisboa, com grandes influências sociais. Em 1924, fundaram o Missionário Católico, atual revista Boa Nova, para atingir todo o país. 

A perseguição não matou a Igreja. Ela restaurou-se com novos meios e métodos. O Concílio Plenário dos Bispos, os encontros nacionais de missionários e o Congresso Missionário de Barcelos deram nova vida à Igreja e levaram Pio XI a instituir a sonhada Sociedade Missionária, em 1930. 

Tornar missionários os novos padres

Para conseguir formadores para os três seminários (Tomar, Cucujães e Cernache do Bonjardim), o recurso eram as dioceses. Elas tinham pouquíssimos padres, mas forneceram jovens em final de curso. Alguns deles nunca mais voltaram à sua diocese, tornaram-se missionários por toda a vida. Pouco a pouco, os missionários começaram a visitar os seminários menores e maiores, espalhados por todo o país, levando revistas e livros de formação missionária. Queriam que todos os ministros da Igreja fossem abertos ao mundo, tanto os que ficavam nas dioceses como os que decidiam partir para as colónias.

Semana de Estudos Missionários de 1966, em Aveiro. As Semanas de Estudos Missionários, iniciadas pela Sociedade Missionária, serviram como porta de entrada do Concílio Vaticano II, em Portugal, ajudando à renovação da Igreja. Foto: SM Boa Nova

Nos anos de 1940, D. Manuel Ferreira da Silva, segundo Superior Geral, foi nomeado Diretor das Obras Missionárias Pontifícias, em Portugal. Assumiu a responsabilidade e planeou dar um estilo missionário a todos os padres. Nasceram assim os Círculos Missionários de seminaristas. O sobrinho de D. Manuel, P. Ferreira da Silva, organizou círculos em todos os seminários do país. Para animá-los, o P. Porfírio Gomes Moreira fomentou a revista Vidimus Stellam, em Cernache do Bonjardim, e depois a Volumus, em Cucujães, atualmente chamada “Igreja e Missão”. Nasceram os encontros nacionais de círculos missionários, realizados nas casas da Sociedade, que constituíram a semente das Semanas Missionárias nacionais que, mais tarde, envolveram toda a Igreja. Foram a melhor ponte para o Concílio Vaticano II chegar a Portugal e ajudar a renovar a Igreja. Os padres Manuel Trindade, Manuel Marques, Rui Martins e Francisco Gonçalves ajudaram a Igreja portuguesa a entrar em ritmo conciliar, com um novo estilo de leigos, padres e bispos.

A imprensa missionária e a Editorial Missões

Há cem anos não havia livros para formar padres em Portugal. A Editorial Missões, ajudada pelos missionários italianos do P.I.M.E., foi pioneira não só em jornais e revistas, mas também em livros, originais, traduzidos e até importados, que chegaram a todos os seminários. A SMBN teve escritores que se tornaram populares: Caetano Bernardi, Januário dos Santos, Alexandre Valente de Matos, Agostinho Rodrigues, António Soares, Artur de Matos, entre outros. Não havia um missionário, irmão ou padre, que não escrevesse frequentes histórias de vida. Todo o português podia conhecer as aventuras do Coelho Matreiro e do missionário que lhe comunicava o Evangelho e com ele se divertia. 

Mais tarde, veio a minimalia, célebres postais impressos em Espanha que modernizaram todas as livrarias do país. O Pe. Agostinho Rodrigues era o líder e o Ir. Celso, o fotógrafo e caixeiro-viajante que percorria todo o país a divulgar estas obras.

Cristãos Missionários

Desde o início, a Sociedade Missionária teve missionários encarregadas de visitar paróquias e escolas para despertar amor pela missão, oferecer jornais e suscitar vocações. Os seminários encheram-se de crianças. Muitos adultos, homens e mulheres, tornaram-se Auxiliares das Missões. A mota do Pe. Álvaro Patrício levava missões e ação católica, o Pe. Carlos Soares enchia o carro de seminaristas, o Pe. Januário dos Santos levava filmes que atraíam multidões, o P.  João Avelino dançava o malhão e cantava Maria, o Cardoso, o Xico e o Vieira tocavam guitarra e animavam a juventude. Pessoas simples como os padres Valente de Matos, Ramos, Monteiro, Francisco Godinho corriam o país a dar testemunho missionário. Hoje é o Pe. Amaro Ferreira faz um pouco de tudo.  

Desse trabalho nasceram as festas missionárias, as peregrinações e as Missionárias da Boa Nova. Em 1963, a Sociedade começou a convidar Auxiliares das Missões para trabalharem nos seminários. Em 1968, a Assembleia Geral deu-lhes outro nome e enviou-as para Moçambique. Ainda estão em Maputo e em Chapadinha, no Maranhão, Brasil. Mulheres missionárias são uma graça de Deus. 

Todos os animadores das Auxiliares das Missões formaram grupos de oração, chamados grupos missionários, que dão vida e um sentido mais cristão e universal às paróquias. Todos esses padres orientaram retiros de jovens e adultos para formar discípulos missionários. Afinal, se o batizado não é missionário não é cristão. O Pe. Manuel Neves, apenas dedicou quatro anos a esse serviço, mas deixou marcas imorredouras. O Pe. José Tomás e o Ir. Joaquim Félix plantaram muitas sementes de novas auxiliares e de novos missionários.

Nos últimos anos, tem nascido a IAM (Infância e Adolescência Missionária) que quer curar o superficialismo da catequese. Ajuda as crianças a amar e servir Jesus e ao próximo, liberta-as do egoísmo, para as tornar solidárias com as crianças sofredoras do mundo. Muitos pais aprendem com a suas crianças a cristianizar a sua vida. O Pe. Amaro Ferreira é o coordenador da IAM na diocese do Porto. 

A experiência missionária sara pessoas e cura a Igreja

Nos anos de 1990, a Sociedade ainda tinha um bom número de jovens portugueses a estudar teologia. Mas eram infantis e não sabiam o que queriam. Abandonavam a universidade e deitavam a Missão no lixo. Fomos obrigados a repensar os métodos de formação. Introduzimos um estágio missionário no meio da teologia. Acreditávamos que, viver um ano com os pobres faria crescer a maturidade e ajudaria a fazer opções mais profundas. Alargámos essa experiência aos seminários diocesanos. Demos essa oportunidade a seminaristas diocesanos de Beja, Guarda, Lamego, Braga, Aveiro, etc. A estes oferecemos trabalho de férias. Conhecer outras culturas e uma Igreja mais evangelizadora marcou os jovens abrindo o seu coração para outro tipo de vida e de Igreja. 

SMBN – A alegria da Peregrinação Missionária a Fátima

O Pe. Delfim Pires, da Guarda, morou quatro anos em Valadares e esteve 20 anos em Angola, nas dioceses do Sumbe e de Luanda. Só a doença o trouxe de volta à Guarda. O seu exemplo foi seguido pelas Servas de Jesus que foram para a Kilenda. Atualmente, D. Manuel Felício, Bispo Emérito da Guarda, foi para a Gabela, com o objetivo de criar um Centro de Formação Espiritual na Kilenda.

O Pe. Artur de Matos aceitou ser o responsável nacional da Pontifícia União Missionária, na tentativa de dar sentido missionário à vida dos padres e religiosos. Houve encontros nacionais e programas de preparação dum bom grupo. Padres de várias dioceses doaram anos a Igrejas do sul do mundo. Ajudaram missionários e enriqueceram a vida. Alguns nunca mais largaram esse estilo de pastoral missionária. 

A diocese de Leiria enviou o Pe. Vítor Mira para o Sumbe, Angola. Quando regressou, a diocese comprometeu-se a colaborar permanentemente com o Sumbe e a assumir a responsabilidade da missão do Gungo. O Pe. Vítor criou o grupo missionário Ondjoyetu que envia para lá padres e leigos e, em Leiria, desenvolve o coração das crianças e jovens para colaborarem com os pobres. 

Após os padres João Torres e Jorge Vilaça trabalharem dois anos connosco em Pemba, a arquidiocese de Braga fez um acordo missionário com a de Pemba e nunca mais largou a missão de Ocua. Criaram o Centro Missionário da Arquidiocese de Braga (CMAB) que forma voluntários leigos e padres que se entregam à Missão na província de Moçambique mais ferida pela guerra. 

Outros padres se doaram ao mundo. O Pe. Domingos Areais, da diocese do Porto, sempre quis ser biblista, mas não antes de dar cinco anos à missão no Japão. O jovem padre Pedro Correia, da diocese de Aveiro, dedicou 10 anos ao Maranhão, no Brasil. A esses padres que, durante anos, colaboram nas missões da SMBN, chamamos Padres Associados. O objetivo não é só enviar padres, é ajudar a Igreja de Portugal a ser mais missionária.

Em 1995, o Superior Geral anunciou, em Fátima: a missão precisa de pedreiros, cozinheiras, professores, leigos e leigas que se dediquem aos pobres e deem testemunho do Evangelho. Apareceram vários candidatos que se reuniram, logo nesse mesmo ano. O Pe. Manuel Bastos dedicou-se à sua preparação para serem missionários no Brasil, em Angola e em Moçambique. Mandámos um cartaz para as universidades: “Precisamos de professores de ciências para escolas secundárias de Angola”. Apareceram jovens de várias especialidades que dedicaram entre dois a cinco anos à missão. Ajudaram muitas pessoas e ficaram marcados: a vida transformou-se em Missão. 

O jovem Jorge Carvalhais, de Calvão, Aveiro, costumava passar férias no Maranhão, junto do Pe. Laurindo Neto, seu amigo e conterrâneo. Criou relações com os missionários de lá e de cá. Por meio dele, nasceu um grupo de jovens ansiosos pela missão, no Centro Universitário de Aveiro (CUFC). Outros grupos se formaram em Valadares, Cucujães e Lisboa que aventuraram jovens a comprometer a sua vida em países nascentes. Os Leigos Boa Nova enriqueceram a atividade missionária, ajudaram as igrejas locais e descobriram novas perspectivas de vida doada.

A Animação Missionária das dioceses é parte integrante da Sociedade Missionária (Constituições nº 4). É um caminho de processos sempre em renovação, de acordo com as mudanças culturais e as necessidades da Igreja. O seu objetivo é relançar a Igreja para a evangelização e a construção dum mundo melhor. Proponho como modelo as palavras de Diogo Costa, ao defender o penalty que deu a vitória a Portugal, recentemente na Liga das Nações: “É um jogo psicológico e há que ser imprevisível. Ligo muito ao instinto, ao corpo e aos olhos do adversário, depois é o feeling e ir com tudo para a bola. Temos uma qualidade imensa para fazer coisas boas pelo nosso país”.

O Papa Francisco dizia na Evangelii Gaudium: “Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre… O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória” (nº 85). Às vezes interrogo-me sobre quais são as pessoas que, no mundo atual, se preocupam realmente mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados imediatos. Este critério é muito apropriado também para a evangelização, que exige ter presente o horizonte, adotar os processos possíveis e a estrada longa (nº 224-225).

E o Papa Leão XIV advertiu, neste Pentecostes: “O Espírito abre as fronteiras também entre os povos. Em Pentecostes, os Apóstolos falam as línguas daqueles que encontram e o caos de Babel é finalmente pacificado pela harmonia gerada pelo Espírito… O Espírito rompe fronteiras e derruba os muros da indiferença e do ódio, porque “nos ensina tudo” e “nos recorda as palavras de Jesus” (cf. Jo 14, 26).