Pe. Adelino Simões, nos 50 anos do seu envio para Angola: «Fui com tudo o que tinha»

(Eva Dias e Pe. Rui Ferreira) – No jubileu dos 50 anos da independência de Angola, a Boa Nova entrevistou o Pe. Adelino Fernandes Simões, missionário da Boa Nova no país durante 18 anos, para onde foi enviado após o 25 de Abril de 1974. Destinado à Paróquia/Missão de Viana, cidade-satélite de Luanda, mesmo sozinho, manteve-se ao lado do povo e das comunidades em crescimento, atormentadas pela violenta guerra civil que marcou o período pós-independência, onde foi uma voz incómoda. Assumiu por missão resgatar do esquecimento as vidas ceifadas pela arbitrariedade dos membros dos movimentos políticos em conflito, entre eles o Pe. Manuel Armindo Lima, primeiro mártir da SMBN, e os três catequistas que o acompanhavam, mortos num ataque em 3 de fevereiro de 1982. O Pe. Adelino deixa transparecer uma grande estima por este povo, que guarda no seu coração e a quem deu tudo o que tinha.

Igreja da Paróquia/Missão de Viana nos anos 70 do século XX. Durante 22 anos (1971-1993), os Missionários da Boa Nova estiveram à frente dos destinos da missão, 18 dos quais com o Pe. Adelino Simões como pároco. Foto: SMBN

Boa Nova (BN): O Pe. Adelino chegou a Angola em 20 de dezembro de 1974. Num período de grandes incertezas, como encarou a nomeação?

Pe. Adelino Simões (PAS): Aceitei sem qualquer problema; mas quero lembrar um pormenor: o Superior Geral, Pe. Manuel Castro Afonso, nomeou-me, primeiro, para Moçambique; mas aconteceu que o Pe. António Tavares Martins, que se encontrava em Viana, teve de regressar a Portugal; então, fui nomeado para Viana. E fui com tudo o que tinha.

BN: Trabalhou com o Pe. Albano Mendes Pedro até fevereiro de 1977, quando este foi nomeado pároco de Santa Ana. Que Angola encontrou quando chegou ao território? E como foi a integração numa nova realidade geográfica e cultural?

PAS: Encontrei uma Angola ainda “colonial”, mas com muita gente já a preparar as malas para deixar o país, na incerteza do que iria acontecer.

A integração, para mim, foi sem qualquer problema. Passados oito dias, já me sentia incapaz de recuar. O Pe. Albano Mendes Pedro era o pároco e eu o seu coadjutor.

Aconteceu que Viana, uma vila industrial construída de raiz, na altura da Independência, ficou vazia de gente. Os portugueses regressaram a Portugal, e os trabalhadores, vindos de outras províncias de Angola, sobretudo do Sul, regressaram às suas terras. A Paróquia de Santa Ana, em Luanda, encontrava-se sem padre. Então D. Muaca, Arcebispo de Luanda, pediu ao Superior Geral, Pe. Manuel Castro Afonso, que se encontrava em Viana em visita aos padres da SMBN, se nos podia repartir. E assim foi: o Pe. Albano foi nomeado pároco de Santa Ana e eu seu coadjutor, e eu fui nomeado pároco de Viana e o Pe. Albano meu coadjutor. Isto aconteceu no 1º domingo da Quaresma de 1977. Mais tarde o Pe. Albano voltou para Viana como meu coadjutor, mas já como Vigário-Geral da Arquidiocese de Luanda. Foi excecional estar com ele!

O Pe. Adelino Simões no funeral do Pe. Manuel Armindo de Lima e companheiros assassinados (6 de fevereiro de 1982). O ataque de que foram vítimas tinha por alvo o Pe. Adelino. Estando ausente da paróquia a participar no retiro anual dos membros da SMBN, em Vila Nova de Seles, o Pe. Armindo de Lima, recém-chegado, substituiu-o no trabalho pastoral das comunidades de Viana. Foi morto quando se deslocava para as catequeses nas comunidades de Sapu e Bita. Foto: SMBN

BN: Na independência do país, em 11 de novembro de 1975, quais eram as principais aspirações e receios da população, da Igreja e dos missionários?

PAS: Em Angola, como é sabido, havia três movimentos políticos rivais: a FNLA, o MPLA e a UNITA. Aconteceu que a primeira ação do MPLA foi expulsar de Luanda a FNLA. Houve um tempo de combates violentos, semanais. E o povo do Norte – os Kikongo – deixou Luanda de modo aflitivo. A UNITA não tinha expressão “armada” em Luanda. A Independência foi proclamada em Luanda, no Huambo e no Uíge. Daí toda a incerteza da guerra civil que se anunciava… e os jovens que começaram a ser “caçados” para a guerra. 

A nível de Igreja, a seguir ao 25 de abril, aconteceu a tentativa de desacreditar a Igreja católica e a fé cristã. Cheguei a ouvir, na rádio: “Já nos libertamos da Espada falta libertarmo-nos da Cruz”; “Não queremos a Lei do Monte Sinai; queremos o socialismo científico”. 

Por seu lado, as Testemunhas de Jeová aproveitaram-se deste tempo para confundir os cristãos com a sua doutrina e profecias. Para defesa dos cristãos contra as Testemunhas de Jeová, fiz o livro “Os cristãos perguntam”.

Para os que apareciam a pedir os sacramentos, esta foi a minha decisão: temos de preparar bem, com uma boa iniciação cristã, os que querem ser cristãos. Lancei-me na implementação do catecumenato, segundo o RICA (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos). E surgiu a necessidade de elaborar textos (catecismos) para tal. Foi uma tarefa árdua, mas apaixonante. Era preciso começar de novo…

BN: A guerra civil e a chegada de populações de várias zonas de Angola para Viana foram desafiantes, sobretudo quando se encontrava sozinho na paróquia. Onde encontrou apoio para o intenso trabalho pastoral com o enorme crescimento das comunidades?

PAS: A seguir à Independência, os que regressavam e as multidões que vinham fugidas da guerra agrupavam-se por afinidade. Os de longe do centro paroquial, em Viana, formaram comunidades com culto ao domingo e com presença do padre para a eucaristia. Os de perto formaram grupos de oração, com reunião semanal e culto na igreja paroquial. Os padres do Seminário de Luanda celebravam na comunidade do Km 9.

Em Angola, há muitos povos e muitas línguas, assim foi possível cada um ter um tempo para rezar e cantar na sua própria língua. 

A presença semanal, à noite, nos “grupos de oração” foi um esforço muito grande. Colaboraram neste esforço, com muita generosidade e sacrifício, os casais Maria Adriano e Justino Cambila, e Sabina Tuluka e Bartolomeu Coleco.

As Irmãs Mercedárias da Caridade deram também um grande apoio no centro da paróquia e nas comunidades de longe. 

BN: Posteriormente, são nomeados vigários paroquiais de Viana o Pe. Albano Mendes Pedro, o Pe. Orlando Martins e o Pe. Delfim Pires. Em finais de 1981, a equipa é reforçada com o Pe. Manuel Armindo de Lima. Porém, no seu primeiro trabalho pastoral, o jipe onde seguia com seis leigos, a caminho de Sapu e Bita, é atacado. Foram mortos o Pe. Lima e três catequistas, ficando outros ocupantes feridos. Como é que este acontecimento moldou a sua forma de ser e de estar enquanto missionário?

PAS: Eu continuei igual. Mas houve consequências. A primeira foi a de não podermos estar presentes nos grupos de oração à noite; da parte das Irmãs Mercedárias da Caridade houve um certo recuo nas deslocações; mas continuei com os leigos. 

O que mais me afetou foi a pressão que alguém exerceu sobre mim para sair de Viana, o que para mim era um absurdo. Fiquei, mas a luta que tive de travar foi muito desgastante.

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