(Rui Ferreira, diretor da Revista Boa Nova) – Ser humano é ser-se frágil. A fragilidade marca a nossa existência, especialmente a infância e a velhice. Ao contrário de outros animais, que nascem preparados para sobreviverem sozinhos, nós nascemos totalmente dependentes. Sem uma mãe – ou alguém – que cuide de nós, nos alimente e acalente, seríamos incapazes de sobreviver. Na velhice, com o aumento da fragilidade aumenta novamente a necessidade de ser cuidado.

A cultura contemporânea que exalta a aparência física, impondo modelos jovens e fortes, tem horror à fragilidade. Já o individualismo hedonista recusa toda a forma de dependência alheia. É a ilusão da autossuficiência! Para tal mentalidade, ser frágil é ser fraco. Porém, muitas vezes aquilo que é mais precioso é frágil, como um copo de cristal.
Perante os poderosos deste mundo, que esmagam os pequeninos e indefesos (em Gaza, na Ucrânia, em Cabo Delgado…) urge uma cultura do cuidado. Uma visão errada sobre o que é o poder está na base de várias formas de abuso. O verdadeiro poder é cuidar, à semelhança do «Filho Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos» (Mc 10, 45). Eis o verdadeiro poder que Jesus Cristo nos deixou: servir e dar a vida! O mais forte cuida do mais frágil. Na sua humana fragilidade, Jesus foi protegido por Maria e José.
Para o cristão, é imperativo cuidar da fragilidade, pois Deus ama os pequeninos. Ele mesmo cuida de nós, que somos pó e cinza. Foi necessário tomar consciência do mal e do pecado, para ver a urgência de cuidado e de reparação. É um caminho duro e exigente, mas só a verdade pode nos libertar das trevas. Por isso, o caminho de trazer à luz abusos e crimes é um caminho de purificação e libertação, tanto para as vítimas, como para os abusadores e para a própria Igreja.
Que este caminho, iniciado na Igreja Católica, possa ajudar outros setores da sociedade a promover a cultura do cuidado. Possam os ambientes eclesiais ser lugares seguros, onde os mais frágeis são protegidos, cuidados e acarinhados como belos e preciosos. Possa este processo ajudar à conversão da humanidade como um todo, rumo ao cuidado da fragilidade.


